Em 1968 e nos anos seguintes, tivemos as primaveras de Paris e de Praga, o repúdio universal à intervenção dos EUA no Vietnã, a resistência às ditaduras em todos os quadrantes, movimentos os mais diversos em defesa da justiça social e dos direitos das minorias, bem como a revolução de costumes conhecida como contracultura. Ventos de mudança varreram o planeta. Foi um impulso generoso, solidário, irmanando os melhores seres humanos na busca de um futuro digno para a humanidade.
Houve, portanto, um tempo em que muitos acreditaram piamente na iminência de uma sociedade na qual os relacionamentos entre os seres humanos, de tão éticos e gratificantes, iriam se tornar a realização da estética no cotidiano. Não precisaríamos mais da arte para sonhar acordados com uma beleza inexistente na vida real. O paraíso seria agora.
http://youtu.be/R6yZXh2ukAU
Depois, claro, veio a reação. E as flores foram sendo, uma a uma, arrancadas.
O capitalismo triunfante moldou o planeta à sua imagem e semelhança: competitividade, ganância, desigualdade, parasitismo, guerras inúteis, agressões insensatas ao meio ambiente, consumismo exacerbado, condenação de vastos contingentes humanos ao desemprego crônico e à miséria aviltante, degradação do pensamento, da arte e dos padrões morais.
Carlos Heitor Cony, que busca afoitamente outros privilégios mas foi privilegiado com dotes de grande escritor, escreveu em 1974 um romance profético, Pilatos. Mostra como seria um mundo em que os homens não tivessem nenhuma motivação idealista, sentimento nobre ou limites morais. Todas as suas ações visariam apenas à satisfação de apetites e de necessidades primárias.
Era um inferno mais assustador que o descrito nas religiões. E tinha tudo a ver com aquele Brasil dos yuppies enriquecidos pelo milagre econômico e das massas anestesiadas pelo tricampeonato de futebol.
Os personagens desumanizados de Pilatos lembram – até demais! – os arautos da extrema-direita remanescente da ditadura militar e os novos discípulos que formou. Infestam a internet, descaracterizaram o Orkut, tornam cada discussão política desgastante e estressante, fazendo do rancor e do retrocesso sua bandeira. O que parecia exagero literário virou triste realidade.
Há indivíduos que conspiram dia e noite para arrastar o Brasil a uma nova ditadura.
Há indivíduos capazes de escrever entusiasticamente em defesa de filmes que fazem apologia da truculência e da tortura.
Há indivíduos que se regozijam quando cidadãos exemplares são flagrados em situações equívocas, como se a grandeza do rabino Henry Sobel pudesse ser empanada pela cleptomania e a do padre Júlio Lancelotti, por ter cedido a uma chantagem sórdida.
Demonstram ódio homicida pelos rivais ideológicos, a ponto de se aproveitarem de suas debilidades humanas – quem não as tem? – para instigarem seu linchamento moral. Como Átila e Gengis Khan, só vêem os inimigos como obstáculos a serem suprimidos.
Seus textos são um deserto de ideais. Não contêm nenhum sonho, nenhuma esperança, nada que sinalize um mundo melhor. Apenas a defesa encarniçada do status quo capitalista e o combate encarniçado aos que, bem ou mal, propõem alternativas
São contra governos, partidos e pessoas. Abominam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E não têm, sequer, a honestidade de seus congêneres da Espanha, adeptos de Franco, que assumiam abertamente os valores obscurantistas que professavam, ao urrarem “abaixo a inteligência, viva a morte!”.
Este artigo foi escrito há quase dois anos mas, infelizmente, permanece atual. Resolvi republicá-lo por dois motivos: 1) como uma homenagem aos linchadores de Cesare Battisti, cuja pequenez, desonestidade e sordidez me viram o estômago; e 2) porque me caiu a ficha de que a distopia do Cony que citei, "Pilatos", encontrou sua mais perfeita expressão televisiva... no Big Brother Brasil.
Em: http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2011/02/vale-pena-ler-de-novo-etica-e-estetica.html
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