Sustentabilidade agrícola requer abordagem sistêmica
A agricultura sustentável é um conceito mais complexo
do que parece à primeira vista. Se o princípio não for bem
compreendido, implementado com uma abordagem sistêmica e gerenciado na
escala correta, pode até agravar os impactos ambientais das atividades
agrícolas, em vez de reduzi-los.
O alerta foi feito pelo cientista britânico Tim
Benton, coordenador do Programa de Segurança Alimentar Global da
Universidade de Leeds (Reino Unido), durante o “Forum on Science,
Technology and Innovation for Sustainable Development”, realizado no Rio
de Janeiro.
De acordo com Benton, o conceito de agricultura
sustentável é frequentemente mal construído e, portanto, mal
compreendido e mal aplicado.
“É preciso atingir um equilíbrio entre o uso da terra
para produção e o uso para a conservação da biodiversidade. Paisagens
diferentes têm vocações para diferentes esquemas agroambientais. A
agricultura sustentável precisa ser gerenciada de forma sistêmica, na
escala da paisagem, não apenas com foco isolado nas fazendas, nem só em
escala nacional”, disse à Agência FAPESP.
Segundo Benton, agricultura sustentável é um conceito
que todos pensam entender, mas é muito raro que as pessoas – incluindo
os gestores – percebam sua verdadeira complexidade. Em primeiro lugar,
de acordo com ele, é preciso levar em conta que uma fazenda causa
inúmeros impactos cruzados no meio ambiente, por exemplo, na qualidade
da água nos corpos d’água, no uso da terra e na biodiversidade.
“Há muitos impactos e, para diminuí-los, é preciso
abrir mão de algum ganho. A atividade agrícola de baixo carbono, para
produzir o mesmo rendimento da agricultura tradicional, tipicamente vai
demandar mais terra, para compensar as perdas”, disse.
“Ao usar mais terra, a atividade agrícola terá mais
efeito na biodiversidade. A agricultura de baixo carbono pode, no fim da
cadeia, causar um grande impacto na biodiversidade. A partir de uma
perspectiva mais ampla, não é trivial calcular qual tipo de agricultura é
mais sustentável”, afirmou Benton.
Outra questão que dá complexidade à ideia de
agricultura sustentável é a escala em que ela é gerenciada. As
consequências do gerenciamento de uma gleba de terra não se limitam
apenas àquele local, de acordo com o cientista britânico.
“Quando se gerencia uma fazenda, os impactos dessa
atividade extrapolam o território em questão. É o que ocorre com os
gases de efeito estufa sendo liberados na atmosfera, que têm impacto
global. Os impactos na qualidade da água dos córregos e rios podem
chegar a uma distância muito longa, causando nitrificação de costas
marítimas de pesca a partir da poluição dos cursos d’água no
continente”, afirmou.
O quadro fica ainda mais complexo quando se
consideram os impactos nos mercados. “Pode-se reduzir o rendimento
agrícola em um país por achar que isso é mais sustentável. Mas a demanda
continuará a mesma, ou até aumentará ainda mais. Assim, se você reduz o
rendimento, alguém, em algum lugar, vai precisar aumentar o rendimento.
E isso vem com impactos ambientais negativos”, disse Benton.
Gerenciamento de terra
Em uma base local, algumas parcelas de plantações
podem ser gerenciadas de forma insustentável, enquanto outras partes
podem compensar sendo gerenciadas de maneira altamente sustentável. Mas o
que é verdade para uma parcela de terra isolada nem sempre é verdade na
escala de paisagem, de país, de continente e na escala global.
“Juntando isso aos impactos ambientais de longo
alcance e os impactos econômicos que também reincidem nos aspectos
ambientais, terminamos com um conceito muito complicado”, disse Benton.
Apesar da complexidade, a sustentabilidade agrícola
não é inviável, segundo Benton. Para isso, é fundamental pensar em
gerenciamento de terra de forma sistêmica, a partir da pequena escala
até a escala global, com foco especial na escala da paisagem.
“No nível da paisagem, podemos gerenciar não apenas a
terra agriculturável, mas também gerenciar as terras não agrícolas que
são fundamentais para o funcionamento da atividade agrícola, porque
mantêm os polinizadores, os inimigos naturais, os microclimas e assim
por diante”, disse.
Na escala nacional, é preciso haver determinadas
áreas voltadas para produção agrícola e algumas preservadas para
garantir outros serviços. Cada área tem sua vocação e uma deve
equilibrar a outra. Mas, em escala continental, as especificidades
também mudam. Algumas áreas são muito boas produzindo frutas, outras
áreas muito boas para armazenar carbono, por exemplo.
“É fundamental gerenciar de forma que as várias
vocações sejam cumpridas. Fazer com que tudo funcione igualmente seria
um desastre. Não é porque não podemos definir a agricultura sustentável
que isso implica que não possamos praticá-la”, disse Benton.
“Mas, para ser sustentável, não se trata só de uma
questão de minimizar o carbono que é produzido por ela. É muito mais
complicado que isso. É preciso levar em conta os efeitos em longo prazo e
é preciso levar em conta ter que gerenciar as coisas no nível da escala
de paisagem”, afirmou.
Determinar os critérios de gerenciamento agrícola é o
grande desafio para desenvolver uma agricultura sustentável, de acordo
com Benton. Segundo ele, para que isso seja possível é preciso ter
governos fortes. Na base local, quando se tem sucesso em uma atividade
em uma parcela de terra, há uma tentação de expansão.
“Quando uma parcela cultivada rende dinheiro, o
fazendeiro tende a querer dobrar essa parcela. Conseguindo sucesso,
multiplica a área por quatro e, quando nos damos conta, temos uma grande
área convertida em uso da terra uniforme”, disse.
“Isso pode ser bom no início, mas em longo prazo, se
todo mundo faz a mesma coisa, todos vão sofrer as consequências. É bom
pensar no crescimento agrícola, mas em algum momento alguém tem que
dizer: já houve crescimento suficiente”, destacou.
A saída para a agricultura sustentável com manutenção
dos ganhos, segundo Benton, é a chamada intensificação sustentável.
Quando há limites para a conversão de terras para a agricultura, é
preciso produzir mais na mesma área.
“Mas essa intensificação não pode ser feita de um
jeito que seja ambientalmente danoso, temos que fazê-la de forma a
minimizar os impactos. A intensificação sustentável pode ser feita com
novas tecnologias, com agricultura inteligente e com gerenciamento da
paisagem”, afirmou.
Em:
naraiz.wordspress.com
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