Posted: 10 May 2012 03:28 PM PDT
Por Guilherme
Carvalho
Na iminência de sediarmos no Rio de Janeiro a Conferência das Nações
Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, uma pergunta segue sem
resposta: será que a conferência e os outros eventos que giram em torno dela
vão abordar com a devida prioridade o insustentável padrão de consumo de
produtos animais que parece se espalhar como uma pandemia pelo mundo em
desenvolvimento?
Os Estados Unidos (e a pequena Luxemburgo), liderando o ranking de consumo per capita de carnes com mais de 340 gramas de carnes por
dia, são responsáveis por mais de 10% da pecuária mundial. Enquanto isso, a
Índia, com seus mais de 40% de vegetarianos estritos, tem o menor consumo per
capita de carnes do mundo — menos de 10 g de carne por dia. Segundo o jornal Times of
India, esta é uma das principais razões pelas quais um cidadão
estadunidense demanda, ao longo de um ano, cerca de 5 vezes mais grãos do que
um indiano.
Infelizmente, a Índia é uma exceção (e mesmo ela já vê chegar uma
influência considerável do padrão de consumo do Ocidente, com redes de
fast-food proliferando como um câncer). Em outros países em desenvolvimento,
como a maioria dos africanos e sulamericanos, come-se mais carnes ano após ano.
O leste africano, cujo consumo vem crescendo — mas ainda não passa de 50 g por pessoa
por dia —, teve em agosto de 2011 a infelicidade de ver o primeiro
KFC(Kentucky Fried Chicken, rede de fast-food norte-americana) abrir
em Nairobi, capital do Quênia.
Não é novidade que o consumismo norte-americano comece a se reproduzir
em países em desenvolvimento à medida que a economia destes países cresce, mas
o “consumismo de carne” parece passar bem mais despercebido do que outras
formas de consumo exagerado — e, certamente, tende a receber muito menos
atenção em fóruns internacionais como a Rio+20. Não obstante, os impactos do
aumento do consumo global de carne são especialmente expressivos e múltiplos:
sobre as mudanças climáticas, a exaustão e poluição de recursos naturais, as
comunidades rurais, a saúde humana e o bem-estar animal.
O cerne do problema, para além do severo sofrimento de bilhões de
animais, é a ineficiência no uso dos recursos alimentares disponíveis. Para
cada quilograma de proteína animal a ser produzida, é necessário utilizar em
média cerca de 6 quilogramas de proteína vegetal na forma de rações ou pastagem. Por isso, mesmo que
desconsiderássemos todos os impactos ambientais advindos da criação,
transporte, abate, processamento e refrigeração, consumir carnes já teria um
impacto ambiental muito superior a consumir alimentos de origem vegetal. Por
essa e outras razões, o consumo de produtos animais é uma das questões mais
relevantes e estratégicas quando se discutem caminhos para a sustentabilidade.
Como sempre, a grande preocupação é a China — especialmente porque esse
país viu seu consumo per capita de carnes quadruplicar em apenas 25 anos e o de laticínios aumentar em cerca de dez vezes no
mesmo período. Se a China, com seus 1,3 bilhão de habitantes, atingir os
padrões de consumo de carnes e laticínios dos Estados Unidos, o país
demandará, sozinho, o equivalente a 80% da atual produção de carne
de frango e 50% da atual produção de carne bovina.
Mas como está o Brasil nesse cenário? Ocupando a posição de 26º maior
comedor de carne do mundo, o seu consumo per capita de carnes já equivale adois
terços daquele verificado nos Estados Unidos.
Ou seja, o brasileiro come cerca de 220 g de carnes por dia — mais do que o
dobro do que comia há apenas 30 anos.
Exceto pela satisfação de uma gulodice inconsequente, só há desvantagens nisso.
Temos mais propensão a doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, confinamos
e matamos muito mais animais, e causamos um impacto ambiental muito maior.
Desde o surgimento da agricultura, há cerca de 10 mil anos, as
necessidades nutricionais dos seres humanos são essencialmente as mesmas.
Entretanto, apenas nos últimos 40 anos o consumo de carnes passou a ser algo
tão exacerbado e desmedido — não pelo surgimento de uma necessidade, mas pela
consolidação dos métodos industriais de criação de animais (as
“granjas-fábrica”) e a conseguinte manipulação dos nossos costumes alimentares.
Na Rio+20, a maior conferência da ONU de todos os tempos, cujo tema
central é a “transição para uma economia verde no contexto do desenvolvimento
sustentável e da erradicação da pobreza”, negligenciar a crucial discussão
sobre o padrão de alimentação do mundo parece uma enorme irresponsabilidade. Um
movimento independente e horizontal chamado Rio+Veg pretende chamar atenção e
influenciar a postura daqueles que se dizem preocupados com o futuro do
planeta, levando-lhes a mensagem da redução do consumo de carnes e outros
produtos animais e propondo um novo paradigma alimentar — uma alimentação
consciente, inteligente, compassiva e sustentável.
Guilherme Carvalho (@gcarvalholeal) é Coordenador do Departamento de Meio
Ambiente da Sociedade Vegetariana Brasileira e Gerente de Campanhas da Humane
Society International no Brasil
Em: http://cantinhovegetariano.blogspot.com.br/
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