[[FEAB]] Quatro lições sobre a nova dinâmica da luta de classes no Brasil - publicado no Correio da Cidadania
Quatro lições sobre a nova dinâmica da luta de classes no Brasil
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Escrito por Fernando Marcelino
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Terça, 14 de Fevereiro de 2012
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A
era da complacência política está chegando ao fim. Afinal, o que nos
ensinam os acontecimentos em Jirau, a greve dos bombeiros e policiais
pelo país, a greve dos servidores das Universidades Federais e a
barbárie do Pinheirinho - dentre tantos outros despejos, ocupações de
terra, greves e repressões massivas menos divulgadas - sobre a atual
situação da luta de classes e sua dinâmica no Brasil? Ao menos quatro
lições podem ser extraídas dos eventos citados:
1)
Estamos presenciando uma retomada das lutas sindicais exigindo aumentos
salariais e dignidade do trabalho. Talvez a mobilização mais importante
neste sentido sejam as revoltas dos trabalhadores da construção civil –
uma nova vanguarda? -, como na usina hidrelétrica de Jirau (RO), onde
se escancarou a condição intensa de exploração do trabalho nas obras do
PAC. Uma explosão dos trabalhadores acabou por incendiar, conforme as
parcas informações disponíveis, cerca de 45 ônibus e 15 carros
administrativos, além de destruir e danificar 30 instalações e 35
alojamentos. Os ideólogos do capital não entenderam nada.
O
que aconteceu? Um enigma que começou uma briga internacional entre
grandes capitais: o consórcio, a seguradora e o BNDES. O consórcio quer
ser assegurado pelo prejuízo que vai de R$ 400 milhões a R$ 1,5 bilhão. A
seguradora fala que no contrato não existe algo assegure o risco de
“destruição generalizada” por parte dos funcionários. O BNDES entra
nessa ação como um dos financiadores da construção da hidrelétrica,
parte das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com
cerca de R$ 3,6 bilhões investidos na construção, com verbas do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT).
Não
é a toa que durante os explosivos levantes foram enviadas para
“contenção dos trabalhadores” a Força Nacional, Polícia Militar, Comando
de Operações Especiais, bombeiros, agentes da Polícia Federal e da
Polícia Rodoviária Federal. Essa foi a forma de conter essa intensa
explosão da classe trabalhadora que, ao que parece, não tinha uma
liderança organizada e nem reivindicações claras. Jirau é uma incógnita.
A
primeira lição a tirar é que o Brasil vive um momento de radicalização
na base da sociedade, abortada pela falta de canais e instrumentos que
organizem politicamente este tipo de rebelião popular fruto das
contradições do capitalismo recente, em especial pelo fortalecimento da
chamada “classe C”, historicamente furtada do trabalho da esquerda por
seu caráter “lúmpen”, mas que hoje cresce e se rebela com uma atitude
corajosa e explosiva de ruptura com o modelo conciliatório da transição
social “lenta, gradual e segura”.
Esta
é uma transformação de médio prazo: o inchaço da classe C é um fenômeno
crescente desde 1992, mas sua expansão acontece de maneira mais
acentuada desde 2003. Hoje, são 105,4 milhões de pessoas, ou 55,05% da
população nesta faixa. Segundo um estudo da FGV, esse processo ocorre
junto com o encolhimento das classes D e E. Em 1992 elas representavam
juntas 62,13% da população. Em 2003 eram 54,85% dos brasileiros. Hoje,
somadas, as classes D e E representam 33,19% dos 191,4 milhões de
habitantes do país. Ainda assim, são 16,2 milhões de pessoas vivendo com
até R$ 70 mensais. Esta transformação da composição social do
proletariado resulta, agora, em novas lutas de classe – só que sem muita
organização, representação e visibilidade política, mas que
potencialmente podem colocar em jogo o grande pacto de poder vigente no
Brasil. A necessidade de ascensão política de massas da “classe C” é um
importante norteador da nova dinâmica da luta de classes no Brasil.
2)
Abril de 2011: início da batalha do movimento dos bombeiros do Rio de
Janeiro, dando início a uma transformação da conjuntura política e
sindical, influenciando diversas categorias e corporações em todo o
Brasil. O movimento começou reivindicando reajuste de seu salário de
miséria e vale transporte. Diante do fracasso das vias de diálogo com a
Assembléia Legislativa, no dia 3 de junho os bombeiros ocuparam o
Quartel General numa expressão de radicalização, inclusive com momentos
de solidariedade, como quando a tropa de choque se recusou a reprimir os
colegas. Isso fez com que policiais selecionados do BOPE efetivassem a
invasão do local com disparos de fuzil e fortes focos de enfrentamento.
Depois da operação foram presos 439 bombeiros.
Logo
se espalharam diversas mobilizações da população pelo direito de
anistia aos presos, dando visibilidade nacional para a causa. Depois da
conquista da anistia aos heróis, no dia 3 de agosto, dois meses depois
do episódio, os bombeiros fizeram um ato que começou nas escadarias da
Alerj e seguiu ao Palácio Guanabara, junto com professores do movimento
da educação, policiais militares, civis e parlamentares de esquerda.
Durante
o ano de 2011 houve diversas paralisações de bombeiros e policiais pelo
país. Já em 2012, no dia 31 de janeiro, a Polícia Militar da Bahia e o
Corpo de Bombeiros decidiram entrar em greve. Eles reivindicam a criação
de um plano de carreira, pagamento da URV e melhores condições de
trabalho. Depois de alguns dias de greve, os militares ocuparam a
Assembléia Legislativa e o Exército foi chamado para conter a situação. A
“Justiça” decretou a ilegalidade do movimento e expediu 12 mandados de
prisão. Policiais do Batalhão da Polícia Militar de Camaçari decidiram
aderir à greve em solidariedade aos colegas. A tensão aumentou e o
resultado das ações continua em aberto diante da brutalidade do governo
estadual e federal.
Deste
processo tiramos nossa segunda lição: a atuação de policiais e
bombeiros é crucial na nova dinâmica da luta de classes ao expor as
inconsistências das políticas de segurança, demonstrar a grande
capacidade de mobilização dos militares na luta por melhores condições
de trabalho e vida, sua capacidade de politização além de seu importante
papel na classe trabalhadora. A tensão social está subindo e bombeiros,
policiais e militares estão em luta podendo articular até uma greve
geral, um estopim ainda incalculável na dinâmica da luta de classes no
Brasil.
3)
O baixo salário, as políticas de terceirização e as precárias condições
de trabalho estimularam a greve dos servidores das Universidades
Federais no final de 2011, um estalo que ainda terá diversas
conseqüências importantes no mundo do trabalho. Com uma base renovada e
corajosa - fruto da expansão dos concursos públicos recentemente - e
muito descontente com os projetos federais de privatização dos Hospitais
Universitários, congelamento de salários, implantação da previdência
privada e ameaça da PL de demissões do funcionalismo, os servidores
buscaram a greve como forma de exigir suas demandas de dignidade.
Depois
de diversas atitudes do governo buscando dissolver a greve, a posição
pelo fim da greve foi revertida nas bases nas universidades,
especialmente na UFRJ, UFMG, UnB, FURG, UFPR, contra a direção das
correntes Tribo/CSD/CTB (ligadas ao PT e PC do B), sendo um importante
espaço para formação de novas lideranças. No ato em Brasília, os quase 2
mil técnicos se juntaram numa marcha com os bombeiros. Por mais que
ainda não tenha sido possível uma greve nacional da educação pública, a
lição deste processo é o verdadeiro impulso para o enfrentamento contra a
burocracia sindical da CUT e da CTB diante da mobilização dos
trabalhadores, afirmando a construção de uma nova vanguarda que tem o
desafio de superar a divisão das categorias da educação (seja
estudantes, técnicos administrativos e professores de universidades
públicas e privadas) e recompor um movimento forte e consistente que
traga unidade para as lutas sociais mais amplas – do movimento sindical
com o movimento estudantil, passando pelo movimento popular.
O
desafio agora é a disputa sobre os caminhos da FASUBRA. Hoje ela é
composta por cinco grupos: a TRIBO, a CSD, CTB, o Vamos à Luta e a
Frente Base. A Tribo e a CSD são cutistas e a CTB é uma central sindical
criada recentemente, ligada ao PCdoB; já Vamos à Luta e a Frente Base
fazem parte de um bloco anti-governista, com participação de muitos
ativistas e de partidos como PSOL, PSTU e PCB. A última diretoria
(eleita em 2009) é composta por 11 diretores da chapa Tribo/CSD, 3 da
chapa da CTB, 5 do Vamos à Luta e 6 da Frente Base. Dependendo dos
encaminhamentos do próximo congresso, podemos viver o início de uma
guerra política interna que pode ser um importante tensionador dos
caminhos da nova dinâmica da luta de classes. Boa sorte aos companheiros
que têm o desafio de agregar os novos militantes resultantes da
mobilização da greve e se organizar sob a base de um Fórum de Esquerda.
Existem novos ativistas que querem derrotar a Tribo. O grande desafio
hoje é construir no Congresso uma forma generosa de UNIDADE, dentro da
multiplicidade da militância existente na FASUBRA. O prazo é até dia 10
de abril, quando começará o Congresso, em Poços de Caldas, Minas Gerais.
4)
A barbárie ocorrida em São José dos Campos, no Pinheirinho, que
resultou no despejo de 9.000 pessoas, nos faz repensar a forma que
desenvolvemos nosso acúmulo de forças diante da nova dinâmica da luta de
classes. Uma das principais contradições da esquerda hoje é que a
organização da classe trabalhadora pelo território demonstra
combatividade, capilaridade popular real e muita coragem ao mesmo tempo
em que vive sofrendo de profundo desdém dos setores da esquerda
organizada (sindical e partidária), talvez porque não seja tão
glamouroso ou se lide com pessoas que não são letradas etc.
Nossa
lição é que o acúmulo de forças da “esquerda negociadora” e das
disputas institucionais está superado, a não ser quando o objetivo for a
ruptura com a ordem. Essas práticas institucionais passam a conter as
transformações, empurrando o movimento popular para trás. A questão é
que, diante da enorme dificuldade do movimento sindical em organizar no
espaço de trabalho um segmento crescente de trabalhadores
(desempregados, temporários, terceirizados, trabalhadores por conta
própria etc.), o espaço em que milhões de trabalhadores no Brasil e em
outros países tem se organizado e lutado é o território, em especial na
periferia das grandes cidades. Na atual dinâmica da luta de classes, o
local das verdadeiras lutas contra a ordem social não é no campo ou na
selva, mas na periferia, o território da nova classe trabalhadora. É por
isso que desenvolver formas mínimas de auto-organização nas periferias é
nosso grande desafio urgente.
***
Estas
quatro lutas, aparentemente desconexas, são sintomas da nova dinâmica
da luta de classes no Brasil. Outros sintomas estão pipocando em vários
lugares. O que eles têm em comum? Estes conflitos estão ligados ao
desenvolvimento recente do capitalismo brasileiro. É claro que o
desenvolvimento do capitalismo gera o crescimento da classe operária,
criando condições para sua conformação como força social ativa, mas o
que fazer quando as novas lutas não se adéquam ao “paradigma do governo
de coalizão democrático”, que não as representa e nem as organiza, mas,
ao contrário, por ora procura dissolvê-las e contê-las? Mas de que tipo
de organização precisam? De que tipo de líderes precisamos? Afinal, o
que fazer quando estas explosões ocorrem?
Nosso
trabalho de maratona está no começo, e se deve começar assim mesmo.
Para aqueles que haviam desistido da luta, que davam as mais variadas
desculpas para se eximir do trabalho de formiguinha (seja pela
“cooptação dos movimentos”, as “direções traidoras”, uma “conjuntura
terrível” ou qualquer coisa desse tipo...), não existem mais tantas
razões para não reiniciar a organização do combate de classes. Claro,
estamos mais fracos do que gostaríamos, mas uma parte considerável vem
do cansaço de ficar tanto tempo fora da luta de classes
extra-parlamentar. Quer queira ou quer não, uma nova combinação da
esquerda – no governo, partidos, movimentos, sindicatos, igrejas etc. –
surgirá e deve ter no norte as ações extra-parlamentares de massa. Vamos
dar boas vindas à nova dinâmica da luta de classes no Brasil!
Em
meios a todas estas contradições, necessitamos de uma idéia positiva
para unir as explosões sociais de forma duradoura. Estamos em uma fase
de transição e incerteza, mas uma coisa é clara: existem rachaduras na
moldura da conciliação de classes no Brasil e as negociações nas quais o
Estado é o interlocutor entre a luta social e o capital se mostram
completamente insuficientes e limitadoras para o avanço das lutas.
Entretanto, ao que parece, somente quando as opções dadas pelo consenso
capital-parlamentarista se esgotarem é que podemos esperar por uma
virada para uma solução radicalmente diferente.
Talvez
demore algum bom tempo, mas é necessário estar preparado se preparando.
Quando bater o teto do programa “neodesenvolvimentista” sob a estrutura
do “presidencialismo de coalizão” de inserção a-social via mercado da
classe C, a ofensiva socialista deve estar organizada. A nova classe
proletária brasileira - produto da expansão capitalista recente e
impulsionada pelas obras de infra-estrutura, Copa e Olimpíadas -, junto
com segmentos do subproletariado sem voz política, infoproletariado,
mobilizações camponesas, de bombeiros e militares, servidores públicos,
movimentos populares urbanos na periferia, igrejas de base, povos
indígenas, desempregados e um novo movimento estudantil progressista,
deverá renovar e formular sua estratégia, suas organizações, métodos de
luta comum e programa político.
A
combinação explosiva desses sujeitos históricos tem seu próprio ritmo e
mobilização. Seu dever é saber transformar suas reivindicações em ações
massivas, independentes do governo e seus correligionários. Isso só
surgirá, entretanto, se retomarmos a velha lição de organização junto à
base popular, em seu dia a dia, em lutas diárias e miúdas. Somente as
grandes mobilizações, o estímulo a todas as formas de luta de massa por
necessidades imediatas e o trabalho de base podem alterar nossa situação
diante da nova dinâmica da luta de classes.
Esse
processo também depende da capacidade de renovação e atualização da
agenda do projeto socialista. Novas demandas, urgências e necessidades
foram geradas no último período e se elas não forem encaradas
adequadamente, com políticas concretas, o socialismo ficará despojado de
todo conteúdo prático, sendo apenas um ideal abstrato típico do
“revolucionarismo retórico e comportamental”.
Será
necessário elaborar vagarosamente aquilo que seria um projeto
socialista, considerando que não existem modelos ideais para imitar. Na
elaboração desse projeto, a esquerda deve demonstrar sua capacidade de
sintetizar a enorme diversidade de reivindicações – econômicas, sociais,
culturais e identitárias – da heterogênea classe trabalhadora, em uma
fórmula integral que leve em consideração a pluralidade de situações que
caracterizam as distintas classes e formações sociais subalternas.
A
partir daí temos que lidar com algumas perguntas realmente difíceis:
como se daria a conjugação de agentes parlamentares e
extra-parlamentares? Como integrar uma verdadeira perspectiva
latino-americana neste processo? Como neutralizar as forças
contra-revolucionárias, as empresas de segurança privada e o crime
organizado? Como construir novos órgãos legislativos? Quem são os
aliados, os inimigos e os falsos amigos? Qual seria o papel das
organizações socialistas? Que tipo de trabalho de base é necessário
consolidar para cumprir esse papel adequadamente? Que nova explosiva
combinação de agentes (movimentos sociais e populares, coletivos
políticos, partidos de esquerda, sindicatos, igrejas etc.) colocará a
revolução social na ordem do dia no Brasil?
Fernando Marcelino é economista
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