Na era pós-vassoura-de-bruxa, produtores baianos melhoram tratos culturais de suas lavouras e ingressam no mercado de chocolates finos
por Luciana Franco | Fotos: Ernesto de SouzaNesse período, o Brasil viu sua produção crescer a ponto de se tornar referência mundial – para despencar 40% dez anos depois, em decorrência da enorme quantidade de plantações doentes. No começo dos anos 80, o país alcançou a posição de maior produtor do mundo, quando a safra nacional superou as 300 mil toneladas por ano, volume que caiu para patamares inferiores a 100 mil toneladas na década seguinte.
Hoje, mais de 20 anos após o surgimento dos primeiros focos da doença no estado, os produtores ainda amargam os prejuízos gerados pelo fungo. A crise expulsou muita gente do campo, que simplesmente abandonou as fazendas e partiu em busca de novas oportunidades na cidade. Outros decidiram ficar e inovaram na maneira de produzir e comercializar cacau. São produtores que compõem uma nova geração de cacauicultores baianos. Eles estão quebrando paradigmas, agregando valor à produção e lucrando alto com a atividade.
Antes de criar sua própria indústria, o jovem estudou comércio exterior, fez uma série de cursos sobre agricultura orgânica e analisou os chocolates do mundo inteiro. “Quando assumi as lavouras da família, elas estavam completamente abandonadas há anos, então foi fácil introduzir a agricultura orgânica”, conta o produtor, que hoje colhe entre 60 e 80 toneladas ao ano dos 600 hectares de plantio que mantém no sul da Bahia. Badaró optou por preservar a plantação antiga e fez um replantio no meio das árvores velhas. “Há algumas árvores que produzem mais, outras menos, mas o modelo orgânico não tem foco na produtividade, e sim na sustentabilidade e na preservação da Mata Atlântica”, diz.
A ideia de Badaró é antiga. Em 2004, um pouco depois de tomar as rédeas dos negócios da família, ele conheceu o Dagoba, chocolate orgânico produzido pelo americano Frederick Schilling. Impressionado com a qualidade do produto que degustou, ele achou que suas amêndoas tinham o perfil ideal da Dagoba. Dois anos depois, em 2006, quando estava no salão do chocolate de Nova York, deixou uma amostra de suas amêndoas no estande da empresa. “Nesta ocasião, fiquei sabendo que a empresa tinha acabado de ser vendida para a multinacional Hershey’s, mas resolvi deixar uma amostra no estande assim mesmo”, lembra Badaró. E a venda da Dagoba foi justamente a oportunidade que os dois executivos tiveram de se tornar sócios. “Nos encontramos um tempo depois e percebemos que tínhamos a mesma ideia: trabalhar com a cadeia orgânica”, diz. Badaró e Schilling focaram seu projeto na qualidade e inauguraram a fábrica da Amma em Salvador em março de 2010, com produção mensal entre duas e quatro toneladas por mês.
A Amma é especializada na produção de chocolates finos e mantém clientes em mais de dez estados brasileiros, além de comercializar para a Coreia do Sul, Austrália e Japão. “Vendemos nosso produto no varejo de importantes centros em todo o mundo”, conta. Além da Amma, Schilling também é sócio da Big Tree Farms, que trabalha com cerca de 3 mil agricultores da Indonésia na produção de castanha de caju, especiarias, mel, flor de sal e açúcar de coco.
A matéria-prima usada na Amma é adquirida de parceiros confiáveis, que fazem o manejo, a seleção, a fermentação e a secagem das amêndoas de maneira diferenciada. João Tavares é um deles. Neto de imigrantes portugueses que vieram para o Brasil no início do século passado, Tavares é a terceira geração da família a produzir cacau. Seu avô foi trabalhador na roça cacaueira e conseguiu abrir um armazém de secos e molhados, onde vendia pano para os trabalhadores. “Com o lucro do armazém, ele comprou uma fazenda de cacau. Quando faleceu, tinha quatro pequenas propriedades”, lembra Tavares, que vivenciou intensamente a fase da vassoura-de-bruxa. “Nossa propriedade, que chegou a colher 26 mil arrobas (390 toneladas) nos tempos áureos, somou safra de apenas 1,3 mil arrobas (25,3 toneladas) no auge da crise”, conta o produtor, que é proprietário de uma fazenda com 350 hectares de cacau.
Atualmente a safra de Tavares é estável e oscila entre 9 e 13 mil arrobas (135 e 195 mil toneladas), resultado de sensíveis mudanças adotadas há seis anos, tanto no manejo das lavouras quanto na fermentação e na secagem das amêndoas. “Estamos voltando a investir no cacau. Temos a expectativa do mercado gourmet, que vai agregar valor à produção, mas não só isso: o manejo do cacau realmente mudou”, afirma.
Tavares percebeu que precisava melhorar os defeitos das lavouras. Dessa maneira encontrou a qualidade. “A seleção dos frutos foi aprimorada e nesse processo percebemos que o cacau do mundo todo precisa ser revisto. É necessário conhecer o grão, tirar seus defeitos e reconhecer suas potencialidades”, diz. Segundo Tavares, o aspecto mais positivo do cultivo no sul da Bahia é o sistema “cabruca” de plantio, que consiste no cultivo da amêndoa dentro da mata. “O cacaueiro precisa de umidade e sombreamento, pois trata-se de uma planta que vive debaixo de outras árvores”, diz.
Além da melhoria no manejo, o agricultor mudou o sistema de fermentação da amêndoa e adotou um modelo inédito no país. A fermentação tradicional é feita em cochos quadrados com um metro por 1,20 metro e 90 centímetros de altura. “Mas eu criei um cocho redondo com 50 centímetros de altura, pois nesse modelo é possível registrar a menor variação de temperatura”, conta. É na sala de fermentação que ocorre a potencialização dos sabores do cacau. “Esse é um momento muito importante da produção, pois é quando você define o sabor de sua safra, já que na levedura há uma série de contaminação espontânea e produção de enzimas. E esse trabalho gera os sabores”, diz o agricultor, que também adotou o uso de terreiros suspensos para a secagem das amêndoas.
Hoje o agricultor colhe cerca de 75 toneladas por ano. A produção de Bernardo é certificada com selos europeu, americano e japonês. “Fazemos um trabalho extremamente criterioso em todas as etapas da produção da amêndoa, e com isso conseguimos conferir a nossa safra as características de nossa terra e produzimos um cacau aromático, com toques das frutas e das flores da Mata Atlântica”, diz Bernardo, que mantém parcerias comerciais com a chocolateria Amma e com importadores nos Estados Unidos – que adquirem o cacau na Bahia e o destinam para chocolateiros americanos e europeus.
Depois de formado, João Bernardo morou por três anos na Fazenda Pena de Ouro, situada no sul do estado. “Eu precisava conhecer a roça por dentro e estar em contato com o ambiente para observar a produção. É nessa situação que a gente melhor aprende sobre a mata”, conta. Na propriedade de Bernardo, onde a área de cultivo soma 300 hectares de cacau, há uma mata repleta de jequitibás, sapucais, jaqueiras, cajazeiras, araçás, cedros, paus-brasis, jacarandás, cutumujus. “Firmamos um convênio com universidades brasileiras e estrangeiras para a observação de áreas remanescentes e a fim de produzir um catálogo de todas as espécies da Mata Atlântica”, diz.
Essa nova geração de produtores baianos entende que o maior patrimônio da cacauicultura não é o fruto em si, mas a mata. “E a sociedade jamais vai permitir que se destrua isso”, avalia Tavares. Para os produtores, o principal papel da Amma é o resgate da imagem das lavouras e da maneira de se produzir cacau. “As empresas deixaram de associar a lavoura à produção de chocolate, e em muitas chocolaterias há imagens de chalés europeus, e não de lavouras. A indústria escondeu a cultura do cacau. Temos de consertar isso. Tão prazeroso quanto degustar um pedaço de chocolate é estudar a história desse fruto”, defende o agricultor.
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