ATER: Ser e Estar, eis a questão.
Autor: JB
Em poucos dias estaremos desencadeando
discussões da mais alta relevância para o conjunto da Agricultura
Familiar, cujos reflexos vão para além da sociedade brasileira, pela
importância estratégica da manutenção da biodiversidade funcional e
produtiva que influenciam diretamente nas dinâmicas da vida no planeta.
As Conferências de Assistência Técnica e
Extensão Rural (ATER), cujo tema busca resgatar um ações ainda não
impulsionadas, deixa clara a importância do papel deste sujeito na
superação das desigualdades ainda existentes no Brasil rural (e que não
são poucas), especialmente no nordeste do Brasil.
O capitalismo já provou que pode
transformar realidades com investimentos e recursos diversos nas mais
diferentes sociedades e a idéia (plano) é sempre a mesma: Culturas e
tradições são atrasos incompatíveis com a tese do lucro e as pessoas são
empregadas e alocadas no quadrante do consumo moderno. Passamos de
seres a teres humanos e aí vale mais quem tem mais R$. Até onde
assistimos, o atual modelo de desenvolvimento implantado no estado é
determinista e não se propõe a uma renovação de seu perfil urgente e
necessária.
No meio rural assistimos quase indefesos
os avanços da Revolução Verde a partir da década de 50 e sofremos golpes
ainda mais profundos com enormes perdas de nosso principal patrimônio: a
terra. Em apenas uma década (1985-1995) a Agricultura Familiar perdeu 1
milhão de propriedades no Brasil. As conseqüências desse processo que
prometia acabar com a fome no mundo estão cada vez mais danosas, efeito
bola de neve. Entretanto, nossa contribuição vai no sentido da superação
desse modelo.
Apesar dos avanços no acesso de políticas
públicas a partir de 2003, das leis 11.326/2006 e 12.188/2010
sancionadas com claro propósito de qualificar iniciativas federativas
para o desenvolvimento de estratégias sustentáveis para o meio rural,
ainda temos enormes desafios para colocarmos em prática o que diz a
teoria. O primeiro e mais importante deles é admitir que o modelo de
ATER está obsoleto e não condiz com a realidade que se busca construir
para Agricultura Familiar do Brasil rural sustentável que queremos.
Torna-se necessário reinventar esse sujeito de forma que possamos
juntos, sociedade e estado, desenvolver plataformas e implantar
programas que promovam justiça social e ambiental para esse importante
segmento da sociedade brasileira.
Precisamos, sobretudo, superar o desafio
da acomodação em que ATER se apresenta, muitos dirigentes e técnicos de
ATER não enxergam horizonte nenhum de mudança de atitude, não tomam
iniciativas simplesmente por que não são cobrados por metas de um
programa de transição agroecológica que não existe. Sentimos que há uma
tarefa importante nesse processo democrático: construir um modelo
unificado de ATER que incorpore a essência comunitária como parte de sua
estrutura institucional, estimulando mecanismos de inserção e controle
social sobre essas políticas.
É nesse diálogo das demandas sociais
qualificadas no exercício permanente das lutas empunhadas pela classe
trabalhadora que construímos nossos modelos que libertam nosso povo, da
mesma forma é assim que vamos aperfeiçoando e diversificando as ofertas
do poder público de forma articulada. Dessa forma é fundamental o
aperfeiçoamento de instrumentos que visam garantir a gestão e o controle
social dos equipamentos que estão sendo implantados no Território.
Teremos feito quase nada se não mudarmos
os alicerces da atual estrutura de ATER, não se pode inventar algo novo
sobre os alicerces já há muito condenados do velho! Assim, tudo que vem
sendo feito para dilapidar agroecossistemas e culturas locais deve ser
banido da pauta dessa nova ATER, pois não interessa ao pleno
desenvolvimento sustentável da Agricultura Familiar caracteristicamente
biodiverso e múltiplo.
Dessa forma, urge o tempo de transitar de
uma velha ATER para algo novo e que resolva problemas reais do dia a dia
das pessoas e não venha somente com uma visão determinista, como
falamos, mas que seja dialógica e que se faça plural na diversidade da
nossa gente e do ambiente onde vivemos. Uma ATER que saia dos nossos
roçados e que compreenda a dinâmica de nossa sociedade, que tenha sido
alimentada por nós, que possua sentimento de pertença e conhecimento da
realidade que se vive, comprometida com a manutenção de nossa cultura e
sustentabilidade das futuras gerações.
Efetivamente torna-se necessário um novo
desenho de ATER para Agricultura Familiar afim de que se possa ter um
veículo responsável por um processo transitório de uma agricultura que
degrada, baseada na indústria do veneno e da esterilização dos processos
agrícolas para uma que incorpore a diversidade e sem nenhuma forma de
preconceitos sociais e ambientais. Sabemos que trabalhar Agricultura
Familiar para a sustentabilidade passa necessariamente por um novo
prisma nas relações sociais e ambientais e o que definirá sua essência
são os princípios adotados e seus fundamentos ideológicos. Trabalhar a
Agroecologia de forma integrada, planejada e com meios e recursos onde
se possam ter avanços na promoção da qualidade de vida das pessoas e dos
agroecossistemas é a busca permanente de uma ação transformadora.
Não podemos mais agir de forma passiva,
conveniente com posturas e programas de governo que submetem todo nosso
Povo a um modelo que defenda claramente a estratégia do agronegócio!
Ficar subordinados a ATER que o Estado nos propõe (impõe)! É nosso
direito e dever do Estado prestar uma ATER de qualidade, como assinala a
PNATER, de forma universal e baseada nos princípios agroecológicos. Por
isso a importância de uma nova abordagem, com métodos participativos e
ações planejadas conjuntamente sociedade e governo.
A simples reforma da estrutura, dos
princípios do atual modelo de produção, nada disso transformará
significantemente os padrões de tomada de consciência crítica que a
Agricultura Familiar necessita incorporar se não construirmos em suas
bases conceituais e fundamentos ideológicos um processo permanente de
transição agroecológica. Precisamos construir uma ATER libertadora, que
dialogue a mesma linguagem da Agricultura Familiar em toda sua
diversidade e que promova processos conscientes em harmonia com nossos
biomas. Sobretudo uma ATER que cumpra a tarefa de levar (socializar) a
quem sempre esteve à margem do desenvolvimento, todas as ofertas de
políticas públicas concatenadas com as demandas pautadas nos espaços de
gestão participativa dentro dos Territórios, cada vez mais fortalecidos.
Especificamente no nosso estado temos
sérios limites no que diz respeito aos avanços concretos no campo
agroecológico, seja por parte das ações públicas propriamente que não
são e passam de longe serem prioridades de governo, por outro lado o que
vimos é o compromisso intocável e inabalável com a indústria do veneno a
exemplo da vergonhosa Lei de Isenção dos Agrotóxicos que vigora até
hoje.
O mesmo Estado que promove até hoje a
degradação dos recursos naturais da Agricultura Familiar é o mesmo
responsável pela recuperação e indenização dos males causados a tantas
pessoas e ao meio ambiente, tem a responsabilidade de, no mínimo, adotar
mecanismos compensatórios sobre todos os serviços ambientais prestados
pela Agricultura Familiar e outras formas de apoio ao processo
transitório agroecológico, até que se alcance uma dinâmica permanente de
relações ecológicas sociais harmônicas na Agricultura Familiar.
Nós que defendemos a biodiversidade e a
cultura dos povos propomos uma ruptura concreta (destoca) com o modelo
posto em prática pelo governo estadual e as instituições não
governamentais cooptadas pelo sistema. Lamentamos o fato de haver um
verdadeiro cartel da ATER no Ceará. Essa possibilidade anula qualquer
tentativa de haver uma universalização da ATER contextualizada, nascida
de dentro, comunitária e diversa dialogando com a ATER oficial para
juntas construírem o itinerário da Agroecologia em nosso Estado.
Grupos dominam toda a estrutura política e
burocrática de ATER no Ceará e isso poderia ser uma vantagem para se
construir uma unidade metodológica, um plano responsável, mas ao invés
de uma proposta transformadora os dirigentes preferem submeter todo um
potencial revolucionário da nossa Agricultura Familiar ao cômodo e
medíocre projeto capitalista. Não vimos nenhum comprometimento político
das principais representações da classe trabalhadora rural do nosso
Estado no rompimento com o atual modelo do agronegócio, pelo contrário, o
que assistimos nos últimos anos foram instituições historicamente
comprometidas com o agronegócio se tornarem privilegiosamente da noite
para o dia a força de ATER do/no estado.
Apenas com mecanismos de controle e gestão
fortes e de participação popular será possível avançar numa nova
plataforma de ações voltadas para a sustentabilidade e libertação da
classe trabalhadora da Agricultura Familiar. Agroecologia não rima com
capitalismo!
Caso a Agricultura Familiar faça a opção
por um modelo de sociedade sustentável terá que construir também uma
ATER de dentro pra fora para que seja mantida a diversidade, a autonomia
e o controle de seu espaço enquanto cultura e tradição. No entanto,
poderá optar por reformas sem mexer na essência do problema, mas isso
poderá nos custar muito caro.
Precisamos lembrar que vivemos uma
situação muito delicada de aquecimento global onde, entre diferentes
cenários, há o que revela grande perda da biodiversidade marinha e
terrestre, comprometendo diretamente a teia da vida e a manutenção da
espécie humana no planeta. A Agricultura Familiar pode e deve ser a
força corretiva desse processo diminuindo os danos e todo passivo
ambiental ocasionado se optar pelo caminho revolucionário, de outra
forma sofreremos (nossos filhos e netos) as conseqüências de nossa
tomada de decisão durante as conferências.
É preciso sonhar e não temer o sonho,
sonhar grande e sonhar real, para que cada dia seja um dia de
conquistas, de avanços concretos e cheios de sonhos e que no final do
dia estejamos fortalecidos no nosso enfado pela vitória de mais um dia.
Façamos Agroecologia, pois este certamente é o melhor caminho para
revoluções pacíficas e culturais no meio rural.
Façamos uma ATER processo educativo como
propõe a PNATER, inserida numa educação desveladora, crítica e
dialógica, que ajude-nos a suceder de um estado de dormência da
consciência para um ativo, como sujeit@s donos de nossa própria
história.
Perguntas geradoras
O que podemos propor nas conferências como
reinvenção para uma ATER comprometida com as culturas locais e a
sustentabilidade de nossos biomas?
Quais demandas prioritárias devem ser pautadas para dar início a um processo de transição agroecológica no Território?
Como Governo e Sociedade podem contribuir
juntos para construção de um Plano de promoção da sustentabilidade e
transição agroecológica para Agricultura Familiar no nosso Estado?
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