“Economia verde” não tem nada a ver com conservação e uso sustentável, diz advogada da Terra de Direitos
Os serviços ambientais, a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) e os fundos verdes do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) estão sendo considerados uma “armadilha do capitalismo” a pretexto de salvação da Amazônia. O evento é promovido pelas organizações Rede Brasil de Instituições Financeiras e Multilaterais, Centro de Defesa de Direitos Humanos e Educação Popular e Fundação Heinrich Boell.
Nos debates e oficinas no campus da Ufac tem prevalecido o entendimento de que a conservação e uso sustentável dos recursos naturais só será alcançada com garantia do direito à terra e território, reforma agrária e proteção dos conhecimentos comunitários com direito ao livre uso da biodiversidade e da agrobiodiversidade.
No Acre, os críticos da transformação de bens ambientais em mercadoria e ao processo de privatização dos bens comuns contam com apoio da presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Dercy Teles de Carvalho, e do líder rural Osmarino Amâncio, que comandava com Chico Mendes, nos anos 1980, o movimento dos seringueiros em defesa das florestas da região.
- O mercado de carbono já chegou para nós: a gente não pode mais nem matar uma paca pra matar a fome - disse Osmarino Amâncio, que agora lidera o Movimento Terra e Liberdade na região do município de Brasiléia, na fronteira do Acre com a Bolívia.
Recentemente, relatou Amâncio, um funcionário do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) visitou a comunidade e presenciou os moradores derrubando árvores de canelão e itaúba para construção de uma casa. Os moradores foram advertidos que estava proibida a retirada de madeira de lei e o funcionário recomendou que a casa fosse feita de madeira branca.
- Eu perguntei: por que você faz a sua casa na cidade de alvenaria e não de papelão? A gente usa canelão e itaúba porque casa feita com elas dura mais. Nós estamos vivendo um momento muito complicado. Inventaram o fogo zero e já fomos avisados que não podemos sequer fazer um roçado. Nós não vamos respeitar isso. A proposta que nos fizeram: vocês aceitam o fogo zero e recebem uma bolsa de R$ 100 por mês. Agora tem Bolsa Floresta, Bolsa Verde e Bolsa Família. Nós estamos chamando tudo isso de pochete miséria - ironiza o ex-companheiro de Chico Mendes.
Presente no evento, a advogada Larissa Packer, assessora jurídica da Terra de Direitos, uma organização de direitos humanos com sede em Curitiba (PR), fez a crítica mais contundente ao que denomina de “capitalismo verde”. Segundo a advogada, a inserção dos serviços ambientais no mercado gera um mecanismo perverso, em que quanto maior a degradação, maior o valor dos serviços ambientais.
- Quanto mais emissões e quanto mais degradação do meio, mais pagamento por créditos de carbono e por serviços ambientais para autorizar o dano. O lucro de um é o lucro do outro. A fórmula é estritamente econômica e nada tem a ver com conservação e uso sustentável - afirmou Larissa Parker.
A advogada afirma que os critérios utilizados para a “precificação” dos recursos têm como fundamento os valores que se formam no mercado e não a sustentabilidade ambiental.
- A agenda da “economia verde” não prevê a modificação dos padrões de consumo e prevê estimular a mudança parcial dos padrões de produção unicamente por meio da atribuição de preço à biodiversidade e privatização dos bens comuns.
Larissa Packer disse que a sociedade não deixará seus modos destruidores, mas criará um novo mercado para regular essas atividades, gerando mais privatização dos valores sociais e ambientalmente gerados.
- Ao passo que, de um lado, gera-se a privatização e o comércio desses bens comuns, de outro se gera a autorização daquele que comprou crédito de compensação de carbono, ou que pagou pelos serviços ambientais de continuar emitindo GEE (gases efeito estufa) ou continuar poluindo rios e degradando o ambiente. A degradação, portanto, não diminui. Pelo contrário, a natureza se converte em produto do mercado, inclusive do mercado financeiro.
Veja os principais trechos da palestra de Larissa Packer:
PSA
O pagamento por serviços ambientais, conhecido como PSA, é um mecanismo criado para fomentar a criação de um novo mercado, que tem como mercadoria os processos e produtos fornecidos pela natureza, como a purificação da água e do ar, a geração de nutrientes do solo para a agricultura, a polinização, o fornecimento de insumos para a biotecnologia etc. O PSA é, portanto, um dos instrumentos elaborados para tentar solucionar os problemas ambientais dentro da lógica do mercado, sem questionar as estruturas do capitalismo.
Economia verde
Ainda que os mecanismos da economia verde possam gerar empreendimentos e tecnologias orientadas pelos princípios da sustentabilidade, é questionável, a tendência geral do sistema permanece a mesma: a necessidade de produção sempre crescente, a comercialização de um volume cada vez maior de mercadorias, levando ao consumo acelerado dos recursos naturais e de sua degradação, com a produção de resíduos e degradação.
Se a principal causa da degradação dos ecossistemas é a super-exploração dos recursos naturais pelo setor agrícola e industrial de larga escala, por que a medida do pagamento por serviços ambientais, inclusive para financiar os desmatadores, poderia resultar na conservação e uso sustentável?
E pior: a maioria dos PLs de pagamento por serviços ambientais anexados a este PL, não só beneficiam os grandes poluidores e desmatadores ao cobrir os custos das conseqüências danosas de suas atividades, como colocam a culpa do mal uso dos recursos, nos pequenos agricultores e famílias pobres da zona rural, que por necessidade se utilizam de forma irracional dos recursos naturais.
Hoje existem mais 10 Projetos de Lei anexados ao PL 972/2007 e todos eles apresentam como justificativa: as mudanças climáticas, a escassez de recursos naturais e a necessidade de incentivar medidas de redução de emissões e de degradação ambiental; incentivo às família pobres da zona rural que se utilizam de forma não sustentável dos recursos; a falência do sistema de comando e controle, que impõem restrições legais ao uso das terras (como a função socioambiental); incentivar as boas práticas por meio de instrumentos econômicos.
Títulos verdes
O mercado de pagamentos por serviços ambientais foi pensado para se gerar dinheiro para custear o cumprimento dos tetos de emissão ou limites de conservação impostos por lei, financiando desmatadores, assim como para autorizar a continuidade das emissões e desmatamentos através do mercado das compensações. A compra de títulos “verdes”, como a Cota de Reserva Ambiental, ou a compra de serviços ambientais autorizariam a continuidade e até o aumento das emissões e degradação das grandes corporações dos países desenvolvidos, transferindo a dívida ambiental e climática para os países e povos e comunidades do Sul. O dinheiro levantado no mercado financeiro “verde”, não apenas paga a conta da indústria e do agronegócio como alavanca o sistema financeiro com um gigantesco mercado de produtos, tecnologias, serviços, assessorias e ativos sob o rótulo de verdes.
Embora possa significar um apoio aos agricultores familiares, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais para continuar a manter suas práticas associados a conservação e uso sustentável dos recurso, o mercado de pagamento por serviços ambientais só sobrevive se ganhar escala para cobrir seus custos. Para isto é muito mais simples pagar grandes proprietários de terras para recompor suas APPs, RL e aumentar sua cobertura verde, do que buscar diversos agricultores espalhados em suas unidades produtivas, muitas vezes sem o título de propriedade, o que gera insegurança para o mercado e o pagador.
Deste modo, a avalanche de políticas e marcos legais para implementar este mercado de pagamentos por serviços ambientais pode representar sérios riscos para a proteção dos direitos dos agricultores, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais.
Retrocesso
Existem diversas políticas destinadas a valorização das práticas e dos produtos da agricultura familiar, seja através da implementação de Sistemas Agroflorestais e projetos de manejo facilitados, compra de sementes e mudas crioulas e o bônus para alimentos saudáveis. Ao invés de se pagar para que comunidades se tornem prestadoras de serviços, por que o Estado não empodera estas políticas estruturantes, como, por exemplo, o aumento do bônus de 30% para 70 % para a agricultura orgânica e agroecológica?
Uma política de Pagamento por Serviços Ambientais voltada a todos indistintamente, além de beneficiar desmatadores, leva a política sócio-ambiental a tratar todas as classes de agricultores (pequenos, médios e grandes), assim como a pluralidade de povos e comunidades locais da mesma forma. O mote que orienta a reformulação da política pública (fiscal, agrícola, ambiental): “Todos juntos contra as catástrofes ambientais, as emissões e a degradação”, pode significar retrocessos significativos nos marcos legais e na condução de políticas estruturantes da agricultura familiar camponesa e das comunidades locais.
É necessário separar o joio do trigo e apontar quem são os responsáveis pelas emissões e pelo desmatamento, assim como identificar quais são os sujeitos que vem realizando a conservação e uso sustentável, como também a produção de alimentos saudáveis para o povo.
Livre uso
O que de fato pode realizar a conservação e uso sustentável dos recursos naturais é a garantia do direito à terra e território, a reforma agrária e democratização do acesso e uso do solo rural e urbano e dos recursos naturais, a proteção dos conhecimentos comunitários pelo seu direito ao livre uso da biodiversidade e da agrobiodiversidade, respeitando as características dos bens comuns.
Na conjuntura atual, uma política de Pagamentos por Serviços Ambientais não está dissociado da criação de um mercado mundial de bens e serviços ambientais. Por isso a redução das práticas tracionais agroecológicas e dos modos de vida das populações a um “serviço” mensurável e vendável vai na contramão da afirmação dos direitos dos agricultores que precisam sim receber o preço justo e políticas estruturantes, mas estas não devem passar, sob nenhuma condição pelas vontades e especulação dos mercados.
Foto: Altino Machado/Terra Magazine
Comentário por Marcelo — sexta-feira, 7 de outubro de 2011 @ 4:09 pm
Absurdo como criamos animais para a morte cruel, sem um pingo de humanidade!!!!!!! Vcs já passaram por um caminhão de transporte de frangos ou porcos ? Já imaginaram vcs, sendo transportados nús, em jaulas empilhadas, em caminhões?
Absurdo como calçamos sapatos feitos com pele de animais que sofreram barbaridade !!!!!
Absurdo como festejamos o Natal com um cadáver de peru sobre a mesa !!!!!!
Absurdo como fazemos bolos utilizando ovos de galinhas escravas e sofredoras !!!!!!!
Absurdo como não nos damos conta disso e quando alguem nos fala algo sobre isso, logo damos de ombros, como que diz: “isto não é comigo”, “não fui eu quem matou”, “mas eu não consigo viver sem carne”…..
Comentário por Alexandre — sexta-feira, 7 de outubro de 2011 @ 4:19 pm
Comentário por Marcio — sexta-feira, 7 de outubro de 2011 @ 4:26 pm
Também não vejo com clareza os objetivos desses que promovem essa agenda.
De fato, restrições ao uso dos recursos ambientais pelas populações tradicionais são não somente indesejáveis, como inaceitáveis.
Mas usar esse argumento para deslegitimar as agendas relativas a promoção de políticas e medidas voltadas ao desenvolvlimento sustentável é destrutivo e perigoso. Parece-me que se misturam agendas como REDD e fundos verdes, como se fossem uma só coisa.
Pelo que consta, fundos verdes não existem. Logo, porque inventar um termo novo para deslegitimar o que se tem?
Não se pode aceitar más propostas; mas não se pode deixar de discutir as idéias e propostas reais, em especial num país como o Brasil, onde o desmatamento já atingiu patamares “decentes” em comparação com os indecentes índices das últimas 2 décadas, e o crescimento econômico se sustentou no mesmo período.
Portanto, não sejamos vuneráveis ao papo furado que interessa a organizações que querem manter as populações amazônicas na pobreza e sob suas garras coloniais, sob o pretexto de que a eocnomia verde e o desenvolvimento sustentável são coisas “do diabo”.
Comentário por Carolina Pinheiro — sexta-feira, 7 de outubro de 2011 @ 6:25 pm
Comentário por Luiz Prado — sábado, 8 de outubro de 2011 @ 11:59 am
Penso que a questão central não se limita apenas ao tipo de economia. Em qualquer tipo de economia capitalista, sempre temos aqueles que produzem a riqueza e aqueles que se apropriam desta riqueza. No Acre, expropriam riquezas.
Na economia de natureza capitalista, uma pergunta não pode deixar de ser feita. Com quem está ficando a riqueza produzida com o saque florestal? Na Amazônia brasileira em geral e no Acre especificamente, certo é que a riqueza não está ficando com quem a produz, a pobreza, sim.
Na riqueza assegurada pela borracha, o Acre gerou riquezas econômicas para outros Estados, preservou a riqueza ambiental para si. A sociedade acreana ficou com um contingente de empobrecidos. Na riqueza promovida pela frente pecuária, o Acre continua gerando riqueza para outros mundos e pobreza para os seus filhos.
Os movimentos dos Povos da Floresta enfrentaram a expropriação oriunda da economia da borracha, também enfrentou a pecuária na grilagem e destruição da Floresta. O movimento tinha proposta própria, original, para chegar ao poder. Lamentavelmente, “chegou ao poder” sem o seu projeto original e sem líderes, mas sim, com agentes que permitem o saque da riqueza florestal madeireira.
Infelizmente, o saque florestal, a título de desenvolvimento sustentável, através do denominado manejo sustentável, não sobrevive a uma auditoria coerente, dessas que o Ministério Público Federal costumam requisitar.
Os movimentos dos Povos da Floresta precisam enfrentar pela contradição e vencer o saque florestal. O legado da luta dos povos da floresta foi irrigado pelo sangue.
Comentário por Adão Costa Silva — sábado, 8 de outubro de 2011 @ 12:04 pm
Comentário por Luis Castro — domingo, 9 de outubro de 2011 @ 1:09 am