Princípios da Agroecologia

Agricultura sustentável tem que considerar aspectos socioeconômicos e culturais dos grupos sociais implicados. Não basta proteger e melhorar o solo ou a produtividade agrícola se não resulta em melhorias nas condições de vida das pessoas envolvidas. Portanto, agricultura sustentável é um conceito que implica aspectos políticos e ideológicos que tem a ver com o conceito de cidadania e libertação dos esquemas de dominação impostos por setores de nossa própria sociedade e por interesses econômicos de grandes grupos, de modo que não se pode abordar o tema reduzindo outra vez as questões técnicas.

Francisco Roberto Caporal

http://www.aba-agroecologia.org.br/

grãos

"Muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, mudarão a face da Terra". provérbio africano

Como os lobos mudam rios

Como se processa os animais que comemos

Rio Banabuiu

https://youtu.be/395C33LYzOg

A VERDADE SOBRE O CANCER

https://go.thetruthaboutcancer.com/?ref=3b668440-7278-4130-8d3c-d3e9f17568c8
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quinta-feira, 22 de maio de 2014

Como o povo do semiárido detonou a indústria da seca

A mudança de rumo ocorreu em 1999, após mais uma seca. Foi criada a Articulação no Semiárido Brasileiro, baseada numa carta de princípios, que segue igual.


Najar Tubino Fábio Caffe

Juazeiro (BA) - Esta é uma história de como a zona rural do país, no caso específico da caatinga, onde as pessoas se organizaram e resolveram tomar o destino de suas vidas na prática, defendendo seus territórios, buscando acesso à água, protegendo suas sementes e, hoje em dia, dando lições de como é possível conviver com a aridez da natureza. Só para ilustrar vou contar um caso do agricultor Golinha, de Apodi (RN). Ele esta no encontro de agroecologia trocando e vendendo sementes, mudas e chás medicinais. As variedades crioulas de milha, contou ele, são transmitidas na sua família há quatro gerações. Neste mês de maio a semente que eles chamam de “vida longa” completou 302 anos. O pai dele morreu com 99, o avô 99 e o bisavô com 104. As outras duas variedades são “ligeiro”, um milho precoce e o “Zé moreno”, que era amigo do pai dele, já falecido, mas virou semente.

As mudanças no semiárido, na estrutura política e econômica, iniciaram há muitas décadas. Fazer cisterna era comum há mais de 70 anos. Quem relata esta história é o coordenador da ASABRASIL, Naidison Quintela Batista, de 74 anos, formado em teologia e pedagogia em Roma, baiano, e um dos responsáveis por uma rede de organizações sociais – são 700 -, que abrange nove estados do nordeste e o norte de Minas Gerais – o bioma caatinga, com suas variantes. Nos primórdios todos trabalhavam em torno do Movimento de Organizações Comunitárias (MOC), que já mantinha práticas como programas de trocas de sementes, de animais e fundos rotativos, que o agricultor pagava em produto ou em dinheiro.

Começando a interferir na política

As chamadas comissões de trabalho, que organizavam as frentes na época das secas, reunindo sertanejos que construíam açudes, estradas e outras obras de infraestrutura. A presença das organizações sociais tinha por objetivo travar a manipulação dos prefeitos, que carreavam os recursos para os ricos dos municípios do interior e para os parentes. Então, nas matrículas das frentes aparecia a mulher do prefeito, o cunhado, os tios e assim vai.

A mudança de rumo ocorreu em 1999, depois de mais uma seca. Foi criada a Articulação no Semiárido Brasileiro, a ASA, baseada numa carta de princípios, que ainda é a mesma, e onde as organizações para participar precisavam aderir ao documento. O X da questão era o seguinte: não bastavam produzir dossiês com reivindicações e propostas, era necessário executar, respeitando sempre as características de cada organização, que por sua vez, refletia as características de cada região. O foco central, cada vez mais, passou a ser a convivência com o semiárido.

Ação de impacto significativa

Os representantes das várias organizações decidiram definir uma ação de impacto significativa, que envolvesse a maioria das entidades. Assim nasceu o Programa Um Milhão de Cisternas, com a sigla P1MC. Cisternas de consumo humano, com capacidade de armazenar 16 mil litros, e suprir uma família com cinco pessoas, por nove, 10 meses. Entretanto, o fundamental estava na maneira como construir as cisternas e como escolher as famílias que participariam do programa. Ou seja, não se trata de uma iniciativa de construção, onde uma empresa, ou um grupo de pedreiros é contratado para fazer a obra. É uma atividade de mobilização, onde as comunidades discutem o problema, elegem uma família e depois constroem a cisterna, comprando produtos locais, para movimentar a economia da localidade, da comunidade. Nada de empresas.

A ASA e seus ativistas começaram a entrar na casa das pessoas. Discutiam, além da construção da cisterna, a maneira como eles armazenavam água, como consumiam, como cultivavam a terra e muitas outras coisas. No final, definiram sete tecnologias de construção de cisternas de consumo humano. O primeiro apoio do governo federal veio na época do Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. Uma “experiência” para “testar” 500 cisternas. Muito mais importante foi a definição do processo de construção, que abrange uma metodologia completa, desde os componentes usados, os custos, a mobilização das famílias e as compras locais. A partir daí, conseguiram o apoio da Agência Nacional de Águas em 2001, para construção de 12.300 cisternas, somadas as outras 500, dava um total de 12.800 cisterna. Foi o pontapé inicial.

A transição política em 2003

A grande preocupação da ASA desde o início: como fazer o controle social das cisternas. Na metodologia ficou aprovado o seguinte, válido até hoje: cada cisterna tem um número de registro, com os dados de localização geográfica. Na hora da família receber a cisterna, tiram uma foto ao lado do registro, a família assina um termo de recebimento e um material educativo. O governo federal assumiu a método, já virou uma lei federal. Significa, que ao repassar recursos aos estados e municípios, todos tem que cumprir com as exigências expostas na lei. Conclusão: se tornou uma política pública, criada pelos sertanejos e com a operacionalização e organização da ASA e sua rede de entidades.

Hoje, as negociações para construção de cisternas são formalizadas via contrato, através de licitação pública e das organizações da sociedade civil. Os coordenadores da ASA aproveitaram a posse de Lula em 2003, para colocar projetos em várias áreas. Onde houvesse uma brecha, um conhecido, eles entravam com suas propostas. Contaram com o apoio do Frei Beto e de Odew Grawej. Assim fecharam o primeiro convênio com o governo federal em julho de 2003. Dez anos depois, o primeiro contrato com a Petrobras, que está encerrando neste mês de maio, com a construção de 20 mil tecnologias de Segunda Água, no valor de R$200 milhões. São as chamadas cisternas de produção, a água que será usada na criação de animais e para plantio. Podem armazenar desde 52 mil litros, onde a água é captada de um calçadão de cimento, com declividade, até a cisterna de enxurrada, onde a água é captada de uma encosta, uma elevação, e são colocados filtros para decantar, antes do recolhimento. O barrreiro trincheira, onde cavam poços com mais de três metros de profundidade, capta até 300 mil litros, o tanque de pedra, que é uma formação característica em várias regiões da caatinga – eles aumentar as barreiras de pedra com cimento, formando uma bacia, quando chove a água fica represada, acumulando 700, 800 a um milhão de litros. Por último: a barragem subterrânea construída nos leitos dos rios e riachos secos, onde eles cavam numa garganta, um estreitamento, jogam uma loca, tapam novamente com terra e quando chove a água bate na lona e fica armazenada no subsolo.

Novecentas mil cisternas e 4,5 milhões de pessoas

Contando as cisternas construídas pela rede da ASA – 537 mil -, mais os governos estaduais e consórcios municipais o número chega a 900 mil, com 4,5 milhões de pessoas beneficiadas em todo o semiárido. Além de mais 500 mil pessoas que já tem acesso à água de produção. No final de 2013, a ASA assinou outro contato com o BNDES, também de R$200 milhões, para construção de oito mil tecnologias diretamente com o banco, e outras 12 mil, por intermédio da Fundação Banco do Brasil, com recursos repassados também pelo BNDES. O contrato acaba no final de 2014. Com o Ministério do Desenvolvimento Social o contrato com a ASA envolve outras 20 mil tecnologias e mais R$ 200 milhões – nove mil já foram entregues. O contrato se estende até maio de 2015. E mais: outro contrato com o MDS para construção de 34 mil cisternas de consumo humano. E, está em discussão, um programa para construção de cinco mil cisternas para escolas rurais. Quando tem seca, não tem água, não tem aula.

A ASA virou uma OCIP, uma organização de interesse público, para poder operacionalizar os contratos com o governo federal e seus afiliados. Ela só concorre em licitação nacional, para não concorrer com as entidades estaduais. Quando ganha a licitação, torna a realizar uma licitação para contratar as organizações sociais, que executarão as obras. São 110 organizações envolvidas com a execução do P1MC e do programa Uma Terra Duas Águas. No total o número cresce para 160, porque algumas trabalham com os dois programas. Cada equipe de técnicos tem um coordenador, um gerente financeiro, um auxiliar e quatro técnicos de campo. São 1.120 técnicos envolvidos nos programas.

O Candeeiro para alumiar o sertão

O trabalho da ASA e suas 700 organizações sociais envolve além das cisternas, um grande intercâmbio de informações e de experiências entre agricultores e agricultoras, o incentivo e a organização de bancos e casas de sementes crioulas, enfim, da prática econômica, social cultural da vida do sertanejo. Providência que gerou a criação de um veículo popular, que é o Candeeiro, chamado boletim de experiências, onde as famílias contam a sua história, e relatam a sua experiência no semiárido. Já foram elaborados dois mil exemplares – é uma página impressa, com tiragem de mil exemplares.

 Para encerrar. Chega o prefeito na comunidade com o carro pipa. Manda o pessoa fazer a fila. Chega o líder da comunidade diz que ali não tem nada de fila. Dá o nome das famílias, cujas cisternas serão abastecidas. E quando acabar a água, se não chover, voltarão a procurar a prefeitura. É óbvio, que esta ainda não é a realidade de todo o semiárido, sem contar as cidades do interior, onde as populações ainda estão sujeitas ao poder político e econômico de famílias ou de grupos, que não tem o menor escrúpulo em pisotear na cabeça dos sertanejos.


http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Como-o-povo-do-semiarido-detonou-a-industria-da-seca/4/30966

quarta-feira, 23 de maio de 2012

DOCUMENTO DA ARTICULAÇÃO NO SEMI-ÁRIDO BRASILEIRO (ASA)

Associação Programa Um Milhão
de Cisternas para o Semi-Árido (AP1MC)
Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA)



DOCUMENTO DA ARTICULAÇÃO NO SEMI-ÁRIDO BRASILEIRO (ASA)

À Presidenta Dilma Rousseff
Aos governadores dos Estados no Semiárido Brasileiro
Aos Prefeitos Municipais
À População Brasileira
DECLARAÇÃO SOBRE O ATUAL MOMENTO DA SECA NO SEMIÁRIDO
“A luta contra a miséria e a fome tem dupla dimensão: a
emergencial e a estrutural. A articulação entre as duas
dimensões é complexa e cheia de astúcias. Atuar no emergencial
sem considerar o estrutural é contribuir para perpetuar a miséria.
Propor o estrutural sem atuar no emergencial é praticar o
cinismo de curto prazo em nome da filantropia de longo prazo”.
(Betinho)
O Semiárido brasileiro neste momento está mergulhado em uma das secas mais
cruéis e devastadoras dos últimos 30 anos. Da chegada dos portugueses aos dias
atuais, já se somam 72 grandes secas com características similares.
As secas são previsíveis e seus efeitos sobre a população são extremamente graves
com consequências em todos os setores da região. Quadro que não é nenhuma
surpresa para quem conhece a história e realidade do Semiárido brasileiro.
Estamos diante de um momento extremamente grave de longa estiagem, uma das
maiores e mais intensas das últimas três décadas, que deverá se prolongar até 2013.
Em situações como essa os grandes proprietários têm prejuízos, mas os sem terra e
pequenos agricultores são os que mais sofrem perdas que colocam em risco as suas
vidas, a de seus rebanhos e suas reservas de sementes e alimentos.
Mais de 500 municípios encontram-se em estado de emergência. As plantas
cultivadas no entorno das casas, quintais produtivos, estão morrendo, os rebanhos
dizimados e as reservas de sementes, organizadas em casas e bancos comunitários
ou familiares, correm o risco de desaparecer frente à necessidade de alimentação da
população. Desde o ano passado não chove o suficiente para acumular água nas
cisternas para consumo da família e para a produção.
O quadro atual é grave! Há que se priorizar o socorro imediato às famílias que estão
sem água, mas há a mesma urgência em investir em ações estruturantes para que
essas famílias possam enfrentar os períodos de longa estiagem, cíclicos e previsíveis,
sem passar fome ou sede.

No Brasil e no Semiárido, as secas sempre foram oportunidade fértil para as
oligarquias aumentarem suas posses de terras, se locupletarem dos recursos
públicos, conseguirem, com recursos públicos, obras vultosas e caras para beneficiar
suas propriedades e de seus comparsas políticos, enraizarem seu poder político à
custa da miséria da população, exposta em filas à busca de gotas de água e
migalhas de alimentos. Aliado a este quadro, as secas expulsam de suas terras e de
seu torrão natal centenas e milhares de cidadãos do Semiárido, que se tornam
errantes na busca e na esperança de melhores dias.
A oligarquia e os políticos dela oriundos e a ela ligados sempre explicaram este
fenômeno como algo de responsabilidade da natureza, esquecendo-se,
intencionalmente, das decisões políticas deles próprios e dos governantes. Creditam,
assim, à natureza, aquilo que é responsabilidade e resultado das decisões políticas.
Esta seca, no entanto, embora ainda mantenha enraizadas muitas destas mazelas e
injustiças, traz consigo outro viés que tem tornado a população mais capaz de
resistir, de ser cidadã e deixar de ser manipulada.
Efetivamente muitas políticas e programas se espalham pelo Semiárido, tornando-o,
de certo modo, diferente, mais humano, mais adequado à convivência com o clima e
suas intempéries. Evidentemente nem todos os programas oficiais a que nos
referimos se revestem de características de convivência com o Semiárido, mas todos
eles dão sua parte para a garantia mínima da dignidade das pessoas.
O bolsa família, acrescido do bolsa estiagem, enquanto ações emergenciais, tem
desempenhado papel chave na alimentação das pessoas, sem que para isso
necessitem de engordar filas de miseráveis, mendigando alimentos que, mesmo
adquiridos com recursos públicos, eram distribuídos por prefeitos, vereadores e
cabos eleitorais, reforçando seu (deles) poder político.
A extraordinária malha de captação de água construída no Semiárido através das
cisternas, quer sejam elas da ASA, do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), dos Governos Estaduais e Municipais, da Fundação Banco
do Brasil e de vários outros atores e parceiros; esta malha armazena milhões de
litros de água outrora literalmente desperdiçados.
A malha de captação e distribuição de água para produção e dessedentação de
animais, cisternas calçadão, barragens subterrâneas, tanques de pedra, barreirotrincheiras,
bombas d’água popular, outros, financiada quer pelo poder público, quer
por várias parcerias.
As adutoras e processos semelhantes de abastecimento da população.
A decisão da Presidenta da República de universalizar o acesso à água para todos os
cidadãos do Semiárido, o que implica, entre outras medidas, na construção de quase
700 mil cisternas.

As ações do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e de compra da alimentação
escolar (PNAE), que aos poucos estrutura propriedades, criou e enraizou bancos de
sementes e processos os mais variados de armazenamento de grãos e sementes.
O crédito destinado à agricultura familiar e os processos de assistência técnica,
aumentados significativamente nos últimos anos, embora ainda carentes de uma
adequação mais radical à realidade do Semiárido e Agroecologia.
Os processos agroecológicos implementados especialmente devido à teimosia de
organizações não governamentais e iniciativas locais.
O Seguro Safra.
As linhas de crédito oficiais para a seca, anunciados e já em implementação nas
regiões e que aumentam a capacidade dos agricultores de resistir e conviver com o
Semiárido, manter vivos seus animais, reestruturar suas propriedades.
Todos estes processos e muitos outros realizados e implementados no Semiárido
pelas experiências de fundos rotativos solidários, pela economia solidária, pelos
intercâmbios entre agricultores pelas experiências variadas oriundas da criatividade
dos agricultores, foram, gradativamente se tornando a base para que os agricultores
do Semiárido se tornassem cada vez mais sujeitos de sua história.
A ASA se vê na construção desta caminhada diferente, participando de muitos destes
processos mesmo com críticas aos mesmos, buscando promover a partilha no lugar
da concentração, disseminando as pequenas obras em contrapartida aos projetos
faraônicos, valorizando o camponês enquanto sujeito protagonista, portador de
direitos, responsável por sua própria libertação, desencadeando outro tipo de
desenvolvimento, sustentado e sustentável, que tem por fundamento a participação,
a organização, a educação e o empoderamento das pessoas.
Isso, no entanto, se expressa melhorias, ainda está longe de ser suficiente. Ao
contrário, assistimos constantemente uma luta dialética entre a proposta de
convivência com o Semiárido, que diríamos estar na raiz das ações que refletimos
acima, e daquelas de combate à seca, responsáveis pela miséria implementada do
Semiárido e pela concentração das riquezas.
Diante desse quadro, a ASA vem a público refletir e propor o que se segue:
I – Ações emergenciais e o cuidado cidadão.
1. Abastecimento imediato e contínuo das cisternas com água tratada distribuída
gratuitamente pelas empresas públicas estaduais e municipais de
abastecimento de água e/ou exército. Onde não for possível abastecer com
água tratada, que seja acompanhada de hipoclorito para que as próprias

famílias possam fazer em casa a filtragem e o tratamento. As cisternas,
efetivamente, assumem duas funções: armazenar água das chuvas e ser
recipiente de armazenamento e reivindicação de água por parte da população
quando não chove.
2. Cuidado cidadão para que este abastecimento, feito enquanto direito e com
recursos públicos, não se torne instrumento de manipulação política e de
enriquecimento ilícito. Infelizmente já há sinais de que esta prática não foi
extinta, dado que começa a se manifestar e atuar em determinados espaços e
municípios.
3. Conclamamos todas as nossas comissões municipais de água para que realizem
o controle social destes processos e denunciem os desvios para a devida
punição.
4. Apelamos aos Ministérios competentes para que instituam disque denúncia por
onde os cidadãos possam denunciar estas práticas e para o Supremo Tribunal
Eleitoral no sentido de estabelecer uma Campanha: “NÃO TROQUE SEU VOTO
POR ÁGUA. ÁGUA É DIREITO SEU”. O Brasil tem o dever ético de não consentir
que as medidas de emergência e socorro às pessoas se transformem em
instrumentos de manipulação e desvirtuação das eleições.
5. Abastecimento das cisternas calçadão e outros instrumentos de
armazenamento de água visando fundamentalmente a dessedentação animal.
6. Controle das irrigações, de modo especial daquelas mais predadoras.
7. Liberação imediata dos créditos especiais no sentido de dotar os agricultores de
capacidade de alimentar seus animais e manter suas propriedades e negociação
dos débitos pendentes, se necessário.
8. Cuidado todo especial para que os créditos liberados não sejam sempre e
continuamente aqueles maiores e mais volumosos – tendência dos bancos – o
que tornará inócua a linha de crédito da agricultura familiar e poderá ser um
instrumento de enriquecimento.
II - Ações Estruturantes
A convivência com o Semiárido que, aos poucos, vai transformar a região numa terra
próspera e feliz, não se concretiza e realiza através de ações emergenciais. Estas são
importantes, mas passageiras. Os olhares devem estar voltados para as dimensões
estruturantes. Neste contexto de seca e sabendo, igualmente, que outras virão e que
a história cobrará de nós quais providências tomamos para uma melhor convivência
com o clima, conclamamos os poderes públicos a:


1. No campo da captação da água.
a) Continuidade imediata do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e do
Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da ASA, e início imediato das ações
de cisternas de consumo humano e de produção contratadas entre o MDS e os
Estados. Não se justifica que, havendo recursos disponíveis, como é o caso, os
Estados e consórcios municipais posterguem indefinidamente o início destas
atividades que dotarão milhares de famílias de estruturas essenciais à
convivência com o Semiárido.
b) Suspensão imediata do processo de cisternas de polietileno (plástico/PVC). Não
se justifica, em hipótese alguma, que o Estado Brasileiro opte por cisternas de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais) de custo, adquiridas de multinacionais, ao invés
das cisternas de placas que utilizam produtos adquiridos no mercado local, tem
tecnologia dominada pelos agricultores, utilizam mão-de-obra local, são mais
baratas (menos de 50% do custo das outras) e tem eficiência comprovada.
Mais ainda, isso não se justifica quando se dispõe no país de uma imensa
malha de organizações capazes de atuar nestas construções.
c) Limpeza de aguadas e açudes, numa perspectiva de armazenamento das águas
das chuvas que virão.
d) Criação de um grande programa de escavação de pequenos barreiros
(familiares) voltados a dotar as propriedades dos agricultores familiares de
maior capacidade de captação e armazenamento de água.
e) Implementar as adutoras – ou serviços de água – previstos no Atlas de Águas
do Nordeste (Agência Nacional de Águas), dando prioridade àqueles
considerados emergenciais, definidas em consulta à sociedade civil.
f) Rever a política de irrigação que demanda o dinheiro público e constrói canais
para grandes empresas, mas não abastece as populações com necessidades
básicas de consumo humano. É necessário lembrar que a Lei Brasileira de
Recursos Hídricos (9433/97) define que a disponibilidade de água deve priorizar
o abastecimento humano e a dessedentação dos animais.
2. No campo do acesso à terra.
O processo da seca não se manifesta apenas na questão da água. Ele se manifesta e
se agudiza na concentração da terra. Em momentos como este que vivemos se nota,
com exímia clareza, a diferença no processo de convivência, entre uma propriedade
maior e uma mini, como a maioria do Semiárido.
Uma propriedade maior, que ao menos se aproxime do módulo fiscal de 70 hectares
previsto em Lei, tem reservas alimentares humanas e para animais, pode ter
variadas modalidades de armazenamento de água, plantios e criatórios diversificados
e assim conviver melhor. Uma propriedade com dois hectares ou pouco mais, como a
maior parte do Semiárido, se vê forçada a diminuir seus animais para não morrerem,
consome rapidamente suas reservas de água e alimentos, consome suas sementes,
morre.
É lamentável que o Governo Federal não tenha tomado a si a urgente tarefa de
realizar uma reforma agrária no Semiárido, reforma esta adequada à sua realidade.
Convenhamos que sem o acesso à terra, dificilmente os habitantes do Semiárido
terão garantida sua saída da situação de extrema pobreza em que se encontram.
Conviver com o Semiárido é ter acesso à terra e nela viver bem.
3. No campo da assistência técnica e crédito.
A erradicação da miséria (ousado e essencial programa da Presidenta Dilma), a
convivência com o Semiárido e a vida digna neste espaço andam de mãos dadas.
Estruturalmente precisamos de uma assistência técnica sistemática, constante e
processual, em moldes e metodologias agroecológicas, que resgatem e respeitem os
saberes dos agricultores e com eles construam os novos conhecimentos necessários
para a mudança da realidade do Semiárido.
É lamentável e inaceitável que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) não
realize chamadas públicas suficientes para dar cobertura aos agricultores do
Semiárido, leve mais de um ano para celebrar contratos com organizações
classificadas nas chamadas públicas e não leve a sério as chamadas existentes.
Assim é que a maior parte das chamadas do Semiárido está engavetada.
Este comportamento está desestruturando as organizações e afastando da
assistência técnica centenas de pessoas que muito teriam a contribuir na lógica da
convivência com o Semiárido e que poderiam, neste momento, estar atuando com
mais afinco no socorro aos agricultores, inclusive, para que eles possam acessar
melhor as políticas existentes.
O crédito, por sua vez, precisa ser cada vez mais adequado à convivência com o
Semiárido e dimensão agroecológica, fugindo da linha hoje predominante de cadeias
produtivas.

4. No campo da comercialização, venda de produtos e bancos de
sementes.
As experiências do PAA e PNAE em muito contribuíram, até hoje, para fortalecer as
infraestruturas produtivas das unidades familiares e autonomizar a agricultura
familiar. São inúmeras as famílias agricultoras que isso testemunham e que, por esta
razão, hoje estão fora da miséria e melhor convivendo com o Semiárido. Faz-se
necessário, assim, ampliá-las, em especial nas modalidades executadas diretamente
com as famílias e associações comunitárias.
Outro instrumento importante que necessita ser potencializado são as feiras locais,
nas quais os agricultores familiares vendem seus produtos, garantindo, assim, o
escoamento dos mesmos. O Semiárido e seus agricultores ainda se ressentem de
uma linha de crédito para aquisição de equipamentos para estruturação destas
feiras.
Estruturar casas comunitárias de sementes e apoiar a aquisição, armazenamento e
distribuição de variedades locais são também medidas essenciais para a
autonomização e sustentabilidade da agricultura familiar e a garantia da segurança
alimentar e nutricional.
Outras secas virão. A história continuará cobrando. Podemos passar para ela como
cidadãos ou vilões.
Este o nosso dilema. Não podemos permitir, em hipótese nenhuma, que a seca que
se apresenta e agudiza, seja oportunidade ou justificativa para que deixemos de lado
a linha estruturante de convivência com o Semiárido, que reconhece nos agricultores
os sujeitos de suas próprias histórias e de suas mudanças, e enveredemos pelo
assistencialismo barato, desestruturador das pessoas e grupos, embora fácil de
realizar.
A ASA conclama todas as suas entidades e técnicos/as a que, com mais veemência,
determinação e afeto, possam dar conta das ações que estão a nosso encargo na
ampliação da rede de captação e distribuição de água, na dinamização de bancos de
sementes, em estar a serviço dos agricultores informando-os das políticas e medidas
a que têm direito neste momento de seca, assim como a fazer o controle social da
boa aplicação dos recursos públicos destinados ao seu socorro e, assim, continuando
a construção da convivência com o Semiárido. A grande capilaridade de nossa rede
estará, mais do que nunca, a serviço dos agricultores e agricultoras familiares.

Cientes do forte papel das organizações sociais sem as quais as mudanças e as
grandes conquistas não se efetuam, conclamamos todos os movimentos e
organizações sociais do Semiárido Brasileiro para fiscalizar e denunciar candidatos/as
que fizerem uso eleitoreiro de carros pipa ou quaisquer outros benefícios que as
famílias tenham direito de acessar.
Conclama também os poderes públicos a que, deixando de lado a burocracia
asfixiante que impede o Governo de agir com rapidez e eficiência, possa estar a
serviço dos que sofrem, velando para que os recursos sejam bem aplicados e, em
nenhuma hipótese, possam ser eleitoreiramente utilizados, ressuscitando práticas
hediondas que povoam a nossa história.
Conclama todos os cidadãos a que, olhando criticamente o fenômeno da seca, nele
não localizem miseráveis, incapazes, esmoleres e recebedores de nossa compaixão e
doação do supérfluo, mas cidadãos que sempre tiveram seus direitos negados
durante séculos e que, não obstante, lutaram e estão conseguindo implantar no
Semiárido a política da convivência, que faz desta seca uma seca diferente.
O Semiárido não precisa de bondade. Precisa de justiça, solidariedade e de que os
direitos de seus filhos e filhas sejam respeitados.
Deste modo, o que o Semiárido quer é a continuidade e aprofundamento da política
de convivência com o Semiárido e de que seja cada vez mais afastada e erradicada a
política de combate à seca.
Semiárido Brasileiro, maio de 2012
Coordenação Executiva da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA)
AP1MC – Associação Programa Um Milhão de Cisternas para o Semiárido
Endereço: Rua Nicarágua, 111 - Espinheiro - Recife / PE. CEP: 52.020-190
Tel: (81) 2121 7666 - www.asabrasil.org.br - asa@asabrasil.org.br

terça-feira, 22 de maio de 2012

"indústria da seca"

Alimentada pela escassez, "indústria da seca" fatura com a estiagem no Nordeste

Carlos Madeiro
Do UOL, em Tacaratu (PE)
A seca no Nordeste é sempre sinal de sofrimento para o sertanejo. Mas a falta de chuva também movimenta o meio político e o comércio das cidades atingidas pela estiagem. A chamada “indústria da seca” fatura alto com a falta de alimentos para os animais e de água para os moradores.
O exemplo mais conhecido no sertão –e relatado por diversos moradores ao UOL–  é o uso político na distribuição dos carros-pipa, marca registrada do assistencialismo simples. Segundo os relatos, alguns políticos visitam as comunidades e se apresentam como “responsáveis” pelo envio da água. Os moradores também reclamam da alta nos preços de serviços e alimentos para os animais.
“A prefeitura nos ajuda muito, nos mandando água por carros-pipa. Às vezes demora, mas sempre vem”, conta a agricultora Maria Gildaci, 66, de Tacaratu (PE), sempre citando que o prefeito é "quem manda" o carro para a sobrevivência dela e da família, que vive em uma pequena casa no sítio Espinheiro.
Falas como a Gildaci, agradecendo os políticos, são comuns, mas a prática está sendo combatida por organizações do semiárido. “Água é um direito, não é dada de favor. Agricultores relatam com frequência que vereadores se apresentam trazendo carros-pipa e que prefeitos estão se utilizando disso para as eleições. Estamos fazendo levantamentos e vamos tentar identificar onde isso está ocorrendo para tomarmos providências”, afirma o coordenador da ASA (Articulação do Semiárido), Naidson Batista.
Para Batista, o uso político da água é histórico no Nordeste, mas vem perdendo força nos últimos anos. “A indústria da seca, na história brasileira, é um instrumento de alguns, em detrimento de outros, para aumento de poder econômico, político ou social de determinado grupos. Embora ela venha perdendo força, não seria possível erradicar uma prática de 400 anos em apenas 10”, afirma.
Segundo o coordenador, os investimentos cobrados, como poços, barragens e cisternas, não foram feitos a contento ao longo dos anos, o que facilitou a política assistencialista. "Isso faz parte da indústria da seca, pois deixa o sertanejo vulnerável, à espera sempre de ações emergenciais."
O diretor do Polo Sindical do Médio São Francisco da Fetape (Federação dos Trabalhadores em Agricultura de Pernambuco), Jorge de Melo, também relata que políticos e fazendeiros ainda se aproveitam da seca para lucrar. “É só começar a escassez de alimentos para ter gente aumentando o preço das coisas. É o que chamam da lei da oferta e procura. Além disso, há um claro uso político, que vem sendo combatido e está enfraquecendo, mas ainda existe no sertão”, diz.
Para tentar reduzir o desvio político da água, o governo de Pernambuco anunciou, na última quarta-feira (16), que os carros-pipa contratados pelo Estado serão equipados com GPS e terão fiscalização dos conselhos de desenvolvimento dos municípios –que ficarão responsáveis por enviar relatórios mensais sobre o cumprimento dos cronogramas.

Mapa mostra as cidades visitadas pelo UOL em quatro Estados

  • Arte UOL

Ganho econômico

Além do uso político, muitos setores da economia também faturam com a venda de produtos. Um dos exemplos é a palma (espécie de cacto que serve de alimento para o gado). Segundo os moradores, o preço da tarefa de palma (equivalente a uma área plantada de 3.053 m²), que antes da estiagem ficava em torno de R$ 1.200, hoje chega a custar até R$ 2.500 em algumas localidades de Alagoas e Sergipe.
“Quem tem sua palma plantada para os seus animais não quer vender. Agora a seca é boa para aqueles que plantam a palma como investimento e estão vendendo mais caro e lucrando muito”, citou o produtor Vilibaldo Pina de Albuquerque, de Batalha (AL).
O carro-pipa também é um negócio rentável. Os preços cobrados pelos “pipeiros” no sertão inflacionaram com a seca. “Existe, e muito, a indústria da seca. Um exemplo: antes, a prefeitura contratava um carro-pipa por R$ 100 para lavar o matadouro. Hoje, para o sujeito trazer a mesma quantidade de água ele obra R$ 200. E olhe que o preço do combustível não subiu e ele pega água no mesmo lugar”, afirma o secretário de Infraestrutura de Batalha (AL), Abelardo Rodrigues de Melo.
Em Sergipe, os investidores estão comprando carros-pipa para ganhar dinheiro. “Hoje, quem tem um dinheiro sobrando está comprando um carro-pipa para distribuir água. Demanda é o que não falta. Aqui estamos precisando de mais, mas não há”, diz o coordenador da Defesa Civil de Poço Redondo (SE), José Carlos Aragão. "E o carro-pipa não é a solução, e só uma política emergencial. Hoje você leva a água, amanhã já precisa de novo. É um investimento de curta duração."
Na cidade sergipana –a mais afetada do Estado, com 15 mil pessoas atingidas pela estiagem--, o movimento de carros-pipa é intenso e atua em diversos setores da economia. Na oficina de Antônio Rodrigues, cresceu a procura por consertos dos caminhões. “Hoje 30% do que faturo é com esses carros. Contratei até uma pessoa para me ajudar, porque a procura é grande e tem caminhão aqui todo dia. Queria não ter mais esse serviço, que aqui chovesse e o povo parasse de sofrer. Mas estou trabalhando dignamente.”

Melhores condições

Para o economista Cícero Péricles, apesar da “indústria da seca” ainda existir, as condições de enfrentamento do sertanejo à seca atual são melhores do que aquelas enfrentadas na última grande estiagem, em 1998.
“Há mais de uma década a política de água obteve ganhos consideráveis pela entrada das cisternas e barragens subterrâneas nos espaços da agricultura familiar, reforçando os antigos instrumentos, como os poços artesianos, tubulares, barreiros, açudes e adutoras. A presença dos órgãos públicos mudou da intervenção exclusivamente assistencialista e emergencial para instituições públicas, com maior capilaridade, municipalizadas, que fazem a cobertura permanente com os programas sociais. A ampliação da Previdência Social no campo, assim como de programas de transferências de renda, a exemplo do Bolsa família, reduziram em muito a pobreza absoluta no meio rural”, afirma o economista.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

A Transposição e a Seca.

A Transposição e a Seca.
Roberto Malvezzi (Gogó)
Pode parecer uma atitude menor de nossa parte reiterar críticas à Transposição nesse momento de seca, afinal, o sofrimento das pessoas e dos animais é infinitamente mais relevante que nossas divergências sobre determinadas obras.
Entretanto, é exatamente em função desse sofrimento, e da busca incessante para encontrar caminhos de solução, que esse debate mais uma vez se coloca na ordem do dia.
Ninguém acaba com a seca. Ela é um fenômeno natural e normal da região semiárida. Portanto, essas matérias sensacionalistas que gostam de falar de “terra esturricada, mata morta, animais morrendo”, revelam ignorância a respeito da região. Ela é assim e assim será. Por isso os índios já chamavam essa mata de “caatinga”, que quer dizer exatamente “mata branca”. Nada está morto, ao contrário, a caatinga hiberna, adormece para enfrentar um período sem chuva. Com as primeiras chuvas tudo volta à vida. Apenas o ser humano e os animais, trazidos de fora, não hibernam. Esses precisam comer e beber, enquanto a natureza se defenda por conta própria.
Mas, se a natureza não muda – a não ser por uma profunda mudança no clima global -, a infraestrutura para adequar o ser humano a essa realidade precisa ser mudada. Essa é a única saída inteligente. Costumamos repetir que os povos do gelo aprenderam a viver com o gelo, os povos do deserto aprenderam a viver no deserto, e que nós já deveríamos ter aprendido a conviver com o semiárido. Essa cultura inovadora está em construção, mas sofre resistências terríveis de quem aprendeu a ganhar poder e riqueza às custas da miséria do povo.
Para quem se lembra, o grande argumento governamental – de marketing – para bancar a Transposição era a proposta de abastecer 12 milhões de pessoas com água potável. Para tal, cunhou-se a divisão do semiárido brasileiro entre “Nordeste Setentrional” e o resto do “Nordeste”. Assim, induzia os incautos a pensarem que o semiárido está restrito ao Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Ainda mais, governo e parte da mídia, por desconhecimento ou interesses escusos, afirmavam que a Transposição iria levar água para o “semiárido”, desconhecendo totalmente a pertença da Bahia, Sergipe, Alagoas, Piauí, Maranhão e Norte de Minas ao mesmo semiárido.
Essa seca matou o argumento oficial. A seca começou em território baiano, onde qualquer estudante de geografia do Brasil, ensino primário ou médio, sabe que estão 40% do semiárido brasileiro. A Transposição, mesmo que funcionasse ou venha funcionar um dia, aponta na direção exatamente contrária ao território baiano. Aponta para Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
Dr. Manoel Bonfim Ribeiro, por quase uma década diretor do DENOCS, costuma dizer que as águas estocadas na Bahia cabem num único açude do Ceará. Para se ter uma idéia mais precisa, dos 36 bilhões de metros cúbicos de água que podem ser estocados no semiárido, 28 bilhões estão no Ceará. A Bahia possui capacidade para estocar apenas um bilhão de metros cúbicos.
A Transposição continua semiparalisada, a um custo que já supera oito bilhões de reais, sem por uma gota d’água a quem quer que seja. Ao contrário, destruiu açudes e cisternas por onde os canais já passaram, aumentando a penúria da população que esperava aquela água como redenção de suas vidas.
Para completar, o próprio Dr. Bonfim afirma que precisamos fazer a distribuição da água estocada nos açudes. Afinal, segundo informações recentes do governo cearense, os açudes da região estão em média com 70% de sua capacidade abastecida. Portanto, não falta água, falta distribuição. Para ele, temos apenas uma rede de cinco mil km de adutoras no semiárido, quando precisaríamos de 25 mil km para democratizar a água para o meio urbano. Segundo a Agência Nacional de Águas, 1700 municípios do Nordeste precisam de adutoras ou serviços de água para não entrarem em colapso hídrico até 2025.
Já expusemos à exaustão que essa seca, terrível em termos de diminuição das chuvas, mas prevista no clico das secas, ao menos não fará vítimas humanas na extensão daquela de 1982. A perda de safra e animais ainda é inevitável.
Continuaremos defendendo uma proposta sistêmica para todo semiárido, sem exclusões. O caminho é a convivência com esse ambiente, através de uma imensa malha de pequenas obras – se não fossem as cisternas para beber e produzir nesse momento, ainda que seja como depósito de água de pipas, o povo estaria bebendo lama de barreiros -, da agroecologia adaptada, da criação de animais resistentes ao clima, da apicultura, da garantia da terra aos agricultores, assim por diante. Para o meio urbano, a democratização da água através das adutoras, priorizando o abastecimento humano e a dessedentação dos animais.
Temos todos os meios nas mãos. Faltam estadistas que conduzam e aprofundem a revolução na relação com o semiárido. Quando assim for, secas serão apenas fenômenos naturais, não mais tragédias sociais. 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A seca é um desafio, não um problema

A seca é um desafio, não um problema. E eu posso desafiá-la também"
Munido de infraestrutura que acumula água e dotado de espírito experimentador, o agricultor baiano Abelmanto está cada vez mais apto para enfrentar as estiagens
Verônica Pragana - Asacom
Recife - PE
02/05/2012

Abelmanto e família aprenderam a conviver com o Semiárido | Foto: Arquivo MOC
Na Bahia - estado mais afetado pela seca e onde se encontra metade das 12 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade - um agricultor familiar agroecológico aumentou seu rebanho de ovinos e caprinos e está produzindo mel em plena época das “vacas magras”. Chama-se Abelmanto Carneiro de Oliveira do município de Riachão do Jacuípe. Na sua propriedade, ele dispõe de três tipos de tecnologias de armazenamento de água. A cisterna de 16 mil litros que acumula água da chuva para beber, cozinhar e escovar os dentes. A cisterna-calçadão de 52 mil litros para produzir alimentos e matar a sede de animais. E a barragem subterrânea, que barra a água que infiltra mantendo o solo úmido por um período mais longo, permitindo o cultivo mesmo quando as chuvas deixaram de molhar a terra há algum tempo.
Na área da barragem subterrânea, Abelmanto ainda está colhendo mandioca, para reforçar a alimentação dos animais, e macaxeira para a dieta familiar. A última vez que caiu água do céu foi há cinco meses e apenas uma garoa que acumulou 25 milímetros de água. No mês anterior, choveu um pouco mais: 35 mm. No periodo de outubro a dezembro, esperava-se uma chuva de 290 mm, mas só choveu 70 mm. Em 2010, pelos seus cálculos, choveu 590 mm, quando a média pluviométrica é em torno de 650 a 720 mm.
Além da mandioca e da macaxeira, ele plantou também, na área de influência da barragem subterrânea, culturas que servem de forragem para os animais: capim de corte, sorgo forrageiro, girassol, mandioca, etc. Em alguns meses de 2011, o agricultor conseguiu estocar uma tonelada e meia de feno.
Atualmente, restam 472 kg da forragem armazenada que, pela sua projeção, dura mais três ou quatro meses, caso seja oferecida junto à palma forrageira e ao mandacaru. Ele explica que o feno garante a fibra na dieta  animal, o que evita problemas de infecção intestinal comum no rebanho que só ingere palma e mandacaru, alimentação bastante oferecidas aos animais em tempos de seca.
Abel tem 54 caprinos e ovinos, destes 14 foram adquiridos após a seca se instalar. E a ração que armazenou desde o último inverno (maio-junho) nutre bem o rebanho, cujas cabras têm produzido sete litros de leite por dia. “Quem vem me visitar se admira com o que vê. O comum é as pessoas se desfazerem dos seus rebanhos porque falta água e alimento”, diz ele. De fato, um importante indicador de impacto da seca é a quantidade de animais abatidos pela inviabilidade de mantê-los com vida.
“A gente se sente mais seguro, mais tranquilo, porque a seca não é um problema, é um desafio. Se a gente vê como um problema, se acomoda. Se é um desafio, nós podemos também desafiá-la”, assegura o agricultor agroecológico, que ainda tem cedido a água acumulada na cisterna-calçadão para cinco famílias vizinhas.
Um dos desafios trazidos pela seca é a manutenção do cultivo de hortaliças. As folhas e legumes são muitos suscetíveis ao calor e exigem uma boa quantidade de água para se desenvolverem. Mesmo assim, Abelmanto conseguiu produzi-las para consumo da família até o mês de março. A produção maior para vender na feira foi suspensa seis meses antes.
A restrição das folhas e legumes na dieta familiar é, sem dúvida, um impacto na qualidade nutricional da alimentação, mas a mesa da família de Abelmanto pode ainda contar com o leite de cabra e derivados, além da proteína da carne vermelha que vem da sua criação.
Sem hortaliças pra vender na feira, o agricultor calcula uma redução na renda mensal de 20 a 25%. Comparada à situação de outras tantas famílias agricultoras sem tecnologias de armazenamento de água, é uma condição bem mais amena. “A situação apertou um pouquinho, mas dá pra viver.”
Perguntado qual recado daria à presidente Dilma se tivesse oportunidade, ele respondeu: “Diria a presidente Dilma deve que investisse mais na construção de tecnologias como as cisternas-calçadão e as barragens subterrâneas. Com elas (cheias), produzimos independente de chuva. O caminho que precisa ser adotado com firmeza é o das tecnologias simples que ajudam a armazenar a água da chuva”.
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BANIR AGROTÓXICOS.

Assine o Abaixo-Assinado virtual que pede o banimento dos agrotóxicos já proibidos em outros países do mundo e que circulam livremente no Brasil.

A Campanha tem o objetivo de alertar a população sobre os perigos dos agrotóxicos, pressionar governos e propor um modelo de agricultura saudável para todas e todos, baseado na agroecologia.

Assine já, pelo banimento dos banidos! Entre no link abaixo.

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