Recife (PE) - O
programa de televisão Fantástico do dia 31 de janeiro, último domingo,
mostrou uma reportagem em que aparecem diversas pessoas que vendem
produtos envenenados se passando por agricultores orgânicos. O tema é
atual e relevante, mas a reportagem falha gravemente quando não valoriza
a importância do trabalho de milhares de famílias agricultoras que
diariamente produzem alimentos de verdade e de qualidade para a
população brasileira, dos campos e das cidades.
O
fato é que a reportagem deu destaque a uma prática desonesta na venda
de produtos orgânicos, mas não abordou os/as milhares de agricultores e
agricultoras brasileiras dedicadas à produção agroecológica, que atuam
além da produção de alimentos saudáveis, contribuindo para a conservação
dos solos, das águas, e da biodiversidade. Sem dúvidas uma fiscalização
mais eficiente é necessária, mas é importante que essa denúncia e as
investigações sejam feitas pelos órgãos competentes de maneira a não
gerar confusão para as pessoas e não sejam prejudicados aqueles que
atuam no campo de maneira séria, sem usar agrotóxicos e investindo numa
agricultura que é a saída para uma alimentação saudável. As feiras
orgânicas e agroecológicas são importantes equipamentos públicos de
abastecimento alimentar nas cidades, uma alternativa aos produtos
envenenados de grandes produtores vendidos em supermercados, e não devem
ser criminalizadas pelos atos irresponsáveis de uma minoria.
Foi
notório também o desequilíbrio de conteúdo e de contexto da matéria do
Fantástico. Faltou ouvir e apresentar a posição de inúmeras Redes,
Fóruns, Articulações, Associações, ONGs, entidades de assessoria técnica
e principalmente famílias agricultoras agroecológicas e orgânicas do
país que trabalham com ética, respeito e principalmente compromisso com a
saúde e a vida de quem consomes seus produtos. Há anos organizações
como a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a Rede Ater Nordeste,
a Rede de Agroecologia da Mata Atlântica, a Rede de Agroecologia de
Pernambuco e núcleos de estudos e pesquisa em Agroecologia, como o
Núcleo de Agroecologia e Campesinato - NAC e o Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Práticas em Agroecologia no Semiárido - NEPPAS/UFRPE,
trabalham para promover e tornar público uma forma de produzir alimentos
e gerar desenvolvimento sustentável no campo respeitando a natureza e a
saúde das pessoas, a Agroecologia.
Esperamos
sim que o Ministério da Agricultura e os órgãos competentes invistam e
melhorem sua atuação na fiscalização. Além disso, é preciso que nossa
legislação seja modificada, para que se proíbam agrotóxicos já banidos
em outros países, evitar o contrabando de agrotóxicos existente nas
nossas fronteiras e para os agrotóxicos deixarem de ter isenção de ICMS,
como acontece em muitos Estados brasileiros, assim como seja banida a
transgenia do Brasil. É importante lembrar que o PRONARA – Programa
Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos, construído com propostas de
órgãos do Governo e movimentos sociais, já foi aprovado na Comissão
Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) e espera a adesão
do Ministério da Agricultura desde meados de 2015 (dos 10 Ministérios
envolvidos, o único que falta aderir), para que seja regulamentado e, em
seguida, colocado em prática efetivamente.
A
matéria comete outro erro ao não dizer o nome da feira retratada no
Recife, tratando-a apenas como “a feira de produtos orgânicos mais
antiga do Recife”. Pelas imagens, mesmo para os recifenses, é muito
difícil perceber em qual feira a reportagem esteve. É de conhecimento
público, no entanto, que a feira das Graças da Rede Espaço Agroecológico
é a mais antiga do Recife que vende produtos orgânicos (Como se pode
comprovar pelas reportagens, publicadas em 2015 pelos dois maiores
jornais de Pernambuco:
http://bit.ly/1TwOwjM e
http://bit.ly/1KShMub), no entanto não foi ela a ser retratada na matéria.
Pela
grande audiência do programa dominical, o erro de informação se torna
praticamente impossível de ser sanado sem um direito de resposta na TV
Globo, com o mesmo tempo de exibição e na mesma faixa de horário e
programa.
Os agricultores e
agricultoras, seus movimentos e suas organizações que constroem
cotidianamente a Agroecologia e a Produção Orgânica deste país
certamente se envergonham ao ver esta reportagem, mas é preciso
ressaltar que a maioria trabalha consciente e comprometida com a mudança
de vida, que beneficia agricultores, agricultoras e a população das
cidades e por isso repudiamos qualquer tentativa de igualar essa
construção à práticas desonestas. Temos orgulho em fazer parte da
história de construção da Agroecologia e de práticas como as Feiras
Agroecológicas e Orgânicas que valorizam a soberania e a segurança
alimentar das pessoas, gerando qualidade de vida e saúde, protegem os
bens naturais, e que se baseiam em uma economia solidária e numa relação
harmoniosa entre o campo e a cidade.
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