O documento, com quase 150 assinaturas, critica a construção e o conteúdo do Projeto de Lei proclamado como "marco regulatório da biodiversidade”. No texto, as organizações solicitam o veto total do projeto, uma vez que os principais atores envolvidos – camponeses, pequenos agricultores, povos e comunidades tradicionais – foram impedidos de participarem da elaboração do PL. A desconsideração do direito à consulta livre, prévia e informada fere tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Guardiões da biodiversidade. |
"Ocorre que sem as emendas derrubadas pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei padece de inconstitucionalidades e colide com o interesse social, e deve ser, integralmente, vetado”, indica a carta, que também indica pontos que, se vetados, diminuirão os impactos da nova lei (veja a carta). O ISA encaminhou juntamente com as organizações da sociedade civil e movimentos sociais um nota técnica com recomendações de veto (leia aqui).
Das 23 emendas apresentadas pelo Senado – que visavam, em geral, a reduzir prejuízos aos direitos dessas populações – 11 foram derrubadas pelos deputados, na sua volta à Câmara (saiba mais).
A aprovação do projeto também fere o Protocolo de Nagoya. Esse acordo internacional, ainda não ratificado pelo Brasil por pressão do agronegócio, estabelece que as partes interessadas (pesquisadores, empresas, povos indígenas e comunidades tradicionais) cheguem a um acordo sobre o modo de proteção, pesquisa, exploração e repartição de benefícios sobre o patrimônio genético e conhecimentos tradicionais associados.
Veja aqui alguns dos vetos pedidos por movimentos sociais e organizações da sociedade civil:
Consentimento Prévio
A carta pede o veto de inciso que prevê a avaliação de consentimento prévio para acesso ao conhecimento tradicional, feita por órgãos oficiais. Dessa forma, o interessado em explorar determinado material genético poderia, por exemplo, recorrer diretamente a algum órgão oficial e governamental para suprir ou substituir a participação do detentor do conhecimento tradicional no consentimento para esse acesso.
Conhecimento Tradicional
A carta também pede o veto da parte do projeto que determina, em qualquer caso, que o conhecimento tradicional, associado ao patrimônio genético de variedades tradicionais ou crioulas relacionadas à alimentação e agricultura, será tratado como conhecimento tradicional de origem não identificável, e por isso, segundo o projeto, seu acesso não dependeria do consentimento prévio de comunidades tradicionais ou povos indígenas.
Esse dispositivo da Lei é uma manobra clara para garantir o amplo acesso às indústrias sementeiras, por exemplo, às sementes crioulas historicamente melhoradas e adaptadas por pequenos agricultores, camponeses, comunidades indígenas e outras que desenvolvam agricultura. E faz isso porque estabelece, por lei, que não seria possível identificar qual comunidade de agricultores seria responsável pelos conhecimentos tradicionais, intrínsecos em determinada variedade crioula de milho, por exemplo.
O texto do Projeto de Lei também condiciona o direito de usar e vender patrimônio genético à Lei de Sementes e à Lei de Proteção de Cultivares. O PL cria a possibilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) dizer qual semente é crioula ou tradicional.
Aliás, outro ponto criticado na carta é a indicação do Ministério da Agricultura como órgão fiscalizador, já que, segundo o texto, o órgão não tem conhecimento especifico para isso e ignora conhecimentos tradicionais, como o dos agricultores, por exemplo.
Outro ponto dúbio do projeto, no qual a carta indica a necessidade de veto, é também a possibilidade do usuário explorador escolher quem será beneficiário da repartição de benefícios. Isso porque o explorador pode escolher não pagar o fundo responsável por aquele "produto” e escolher realizar, por exemplo, um curso de capacitação na comunidade de origem dele, o que pode provocar competitividade entre as comunidades que tentarão liberar o acesso primeiro, para garantir o benefício.
Anistia aos biopiratas
A isenção da repartição de benefícios sobre a exploração econômica de produtos cujo patrimônio genético tenha sido acessado antes de 2000 é outro problema do projeto. Isso significa que os exploradores que tenham acessado produtos antes daquele ano e estejam lucrando com ele agora não precisam repartir os benefícios com as comunidades de origem.
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